A Porta

Não existia nada entre Alberto e a porta, a não ser o desejo de ultrapassá-la. O molho de chaves estava pendurado no cós da calça. O que aquele quarto ocultava era a sua possível liberdade. Alberto havia recebido a chave certa, mas confiava na memória, de maneira que seria melhor levá-la no cós surrado do que carregar aquele conjunto metálico e pesado nas mãos. A pele das palmas suava e comichava ao contato com o ferro. Preferiu assim pender levemente para o lado esquerdo a ter de besuntar depois as mãos com creme.

Mas a porta estava à sua frente, grande e poderosa. Era assustadoramente convidativa, guardiã de um tesouro desejado há anos. Ele estava, mais ou menos, a meio-metro de conquistar aquilo que havia sido separado dele por milhas. Cansou muito, caminhando pelo corredor ladrilhado a fim de chegar ali. Pelo que conta sobre sua história, começou tal jornada engatinhando; hoje, era sustentado pela velha bengala, adquirida com grande esforço ao longo de muitas economias e prestações. Mas isso foi em tempos de sufoco; agora já era dono de fato deste único bem material e sabia que não o legaria a ninguém através de herança. Afinal, ninguém dividiria uma bengala em cinco partes: não tinha filhos anões; pelo contrário, filhos que tocavam o céu.

Os filhos, infelizmente, diluíram-se no tempo, sobrando apenas pedaços de retrato, perdidos na roupa. Alberto agora estava só e foi, então, somente diante daquela porta que descobriu uma nova função para sua bengala: aprumar-se, de modo que braço e mão ficassem ao nível da fechadura. Não poderia se dar ao luxo de ficar fazendo inúmeras tentativas para acertar a chave no buraco: sua mão suava e comichava. Movimentou-se, então, um pouco, sentindo cair, desastrosamente, o molho no chão. Mas confiava na memória, sabia qual era a chave pela cor que a diferenciava das demais. Tranqüilizou-se. Seria apenas o esforço de agachar-se. Pôs, sorridente, a mão dentro do pequeno bolso da camisa, a fim de catar os óculos; porém, terrivelmente pálido, percebeu que os havia perdido não sabia onde, se a algumas milhas dali ou se no início do percurso.

Tom Lazarus
Enviado por Tom Lazarus em 24/05/2007
Reeditado em 30/10/2007
Código do texto: T499686
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.