A conversa

Chegamos cedo. Ontem mesmo havia conversado um pouco com uma de tuas companheiras, mas eu estava naquela outra mesa. Aqui acho mais agradável, bem calmo e, aliás, o sol bate melhor deste lado, de modo que posso ver tua fisionomia. Não sei, francamente, se na semana passada eu havia conversado contigo. Tu és muito parecida mesmo com uma que vinha aqui sempre aos domingos e, como hoje é segunda-feira, provavelmente não tenha sido contigo que passei a tarde. Mas não importa. O que realmente interessa é que esta tarde ainda será longa, uma vez que todos recém almoçaram. Temos tempo suficiente para botar papo fora.

Naturalmente que não fomos apresentados. Meu nome é Ademir e venho todos os dias para cá a fim de prosear um pouquinho que seja. Não tenho o hábito de ficar me movimentando de um lado a outro. Detesto gastar as pernas. Só gesticulo. Compreenda que esta cidade é realmente grande, e as pessoas não param sequer um minuto. Parecem formigas que, com tremenda fúria, vão devorando as avenidas e seus acessos. Perdi a mania de ter pressa e já faz uns bons anos que elegi este lugar para passar meus dias. Durante a semana, por exemplo, raramente alguém divide este espaço comigo. Então não importa a hora que eu chegar, pois sempre haverá um lugar vazio. Nos finais de semana é que tenho que acordar cedo e vir correndo. Aqui lota nesses dias, por isso reservo minha cadeira e mesa com tamanha antecedência. Mas tudo bem. Que bom que nos encontramos num dia mais calmo.

Bem, como estamos nos conhecendo hoje, não tenho por que te contar novidades. Afinal, o que vier da minha boca será algo novo. Dentro desta pasta que carrego há décadas trago inúmeras histórias de minha vida. Algumas são verdadeiras, outras inventadas. Prefiro sempre as inventadas, porque com elas vou aumentando as verdadeiras. Pelo que vejo, qualquer uma que te contar dará na mesma. Jamais tu saberás qual é a verdadeira ou a inventada, porque neste mundo tudo é possível. Começo por uma que presenciei no mês passado. Tinha um amigo, digamos um conhecido, chamado Flávio. Costumava vir aqui aos sábados. Chegava ali pelas 15h e me cumprimentava com um rápido movimento de cabeça. Sentava-se e logo começava rabiscar alguma coisa num papel. Não sabia se era algum poema, alguma carta de amor ou mesmo alguma anotação sem muita importância artística. Sempre meia-hora depois de estar sentado com aquelas folhas sobre a mesa, pedia um café. Pagava antecipado e sorvia o líquido com rapidez absurda. Voltava mudo ao seu exercício. Tinha a impressão de que tudo que escrevia já estava de alguma forma pronto na cabeça. Ele não parava sequer um segundo para pensar sobre alguma coisa. Era frenético. Preenchia então uma folha e logo começava outra. Assim ficava o resto da tarde. Quando o sol começava a se pôr, pedia um copo d’água e tomava da mesma forma como bebia o café. Levantava-se e saía tão calado como havia chegado. Porém, num dos sábados de costume, notei que trazia consigo, além dos papéis de sempre, umas cordas. Fiquei, pelo menos, uns vinte minutos observando aquelas cordas ao lado da cadeira e tentando imaginar qual era o propósito. A garçonete foi solicitada para trazer o café, mas desta vez não vi o tal sujeito lhe pagar como fazia nas outras vezes. Simplesmente sorveu a bebida e juntou as cordas que estavam no chão. Em resumo, o café acabou não custando a ele sequer um centavo, mas as cordas lhe custaram a vida...

(continua na próxima semana)

Tom Lazarus
Enviado por Tom Lazarus em 28/05/2007
Reeditado em 30/05/2007
Código do texto: T504386
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.