A conversa (2ª parte)

Esta é uma das tantas histórias que tenho contado neste último mês. De resto, tenho apenas ficado aqui sentado, ora olhando para quem entra, ora observando a expressão de quem me escuta tão-logo concluo alguma de minhas histórias. Pelo que me parece, não te mostraste muito interessada, talvez pelo teor nada aprazível do que escutaste, mas histórias de vida são isso mesmo, pouco mel e muito fel, ainda mais se levarmos em conta que hoje morrer virou moda. Há cartazes espalhados por aí que, de certa forma, nos adverte contra os excessos, mas que por detrás nos incitam à curiosidade. Como assim cartazes? Ora, minha excêntrica camarada, cartazes, avisos, chamadas: não faça isso, não faça aquilo; cuide-se com isso; olhe melhor para aquilo; enfim, eis que estamos na era da maldade. Nunca, em outras épocas, cultuamos tanto o disparate, como se fosse um gatilho pressionado por um dedo nervoso. O que há? Por que me deste as costas? Ah sim, compreendo, é uma espécie de charme. Mas ainda tenho comigo pelo menos um século de relatos que poderia condensar em uma semana. Aqui te reservo, além do já contado, pelo menos uns dois ou três a mais.

Já viste Paula alguma vez por aqui? Não? Bem, talvez não tenha ouvido falar sobre ela. Eu a conheci. Era de estatura mediana, cabelos crespos, olhos e boca esquisitos. O que me chamava a atenção era o seu sorriso, apesar de tê-la visto raramente com algum ânimo. Acredito que tenha sido apenas uma vez que a vi às gargalhadas com um sujeito estranhamente vestido. Sentaram, pediram algo para beber, não sei exatamente o quê, e ficaram de gracejos. Esta cena durou umas duas horas. Levantaram-se, pediram a conta e desapareceram. Das outras vezes, aparecia sozinha, fechada, com cara de pouco amigos. Solicitava alguma coisa à garçonete e não se demorava muito, coisa assim de trinta minutos. Costumava sentar-se ali, perto daquele relógio, por volta das cinco horas, sempre às sextas-feiras. A última vez que vi Paula entrar (acho que logo no início do mês) trazia o celular ao ouvido. Gesticulava e falava com agressividade. Chorava. Foi quase impossível compreender o que dizia, em meio àquele turbilhão de sílabas e exclamações. Lembro vagamente de alguma coisa do tipo “ele”, “aquele”, “encantada”. Poderia formar, a partir daí, uma centena de possibilidades. Mas confesso que nunca fui dado a construir textos a partir de palavras-chave. Paula fechou o celular e, trêmula, guardou-o na pequena bolsa de camurça. Sentou-se, como de costume, mas não pediu nem mesmo um copo d’água. Ficou ali, olhando fixamente para algum ponto do ambiente, quem sabe para o relógio. Notei que seus dedos batiam à mesa com impaciência. Assim, transcorreu mais de meia-hora quando o celular tocou alguma coisa de Beethoven, talvez Fidélio. Com enfado, atendeu a ligação e percebi que as palavras vindas de um interlocutor invisível a deixaram pálida. De pronto, levantou-se, e, não mais do que dois minutos, vi aquela mulher já estendida, encharcada de fatalidade sobre a mesma mesa diante da qual, pelo menos uma vez, havia aberto um sorriso que lhe devolvia toda a beleza.

(continua na próxima semana)

Tom Lazarus
Enviado por Tom Lazarus em 30/05/2007
Reeditado em 31/05/2007
Código do texto: T507537
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