607-TAMANHO EXTRA-LONGO- Um enterro complicado

Desde a infância, teve problema com sua estatura. Filho de Pais de altura mediana, Clodoaldo nasceu comprido e parece que nunca parou de crescer. Aos quatro ou cinco anos, com mais de um metro de altura, afigurava-se uma aberração. Alguns parentes incomodavam-se e comentavam:

— Deve ser uma doença, crescer tanto assim.

Cresceu numa família e num tempo em que as anomalias físicas eram pouco consideradas. Os pais não tinham recursos para levar o filho a um ortopedista ou um endocrinologista, a fim de determinar a causa de crescimento tão exagerado. Assim, Clôdinho foi crescendo, crescendo...

No grupo, era o último da fila e na sala de aula. Tinha uma visão curta, mas isto não era levado em consideração e, para não atrapalhar os demais colegas, era colocado sempre lá no fundo da classe.

Clôdinho, o ridículo apelido familiar, que não condizia com sua altura, foi substituído por Espanador da Lua, alcunha cruel que nunca mais o abandonou. Não gostava de esportes, onde sua altura poderia ser vantajosa. Aliás, talvez devido aos longos ossos dos braços e das pernas, fraturou ou quebrou por três vezes as pernas. Certa ocasião, já estando com quinze anos, caiu e fraturou a tíbia. Foi grave e teve de usar muletas durante quase o semestre todo. Feitas especialmente para ele, eram finas e altas e mais uma vez foi alvo da chacota. Sua locomoção, principalmente nos corredores do colégio, era difícil, mas os colegas não perdoavam com novos apelidos.

Seu ingresso no colégio foi outro motivo de humilhação. As carteiras comuns não eram apropriadas e ele só foi matriculado com a condição de mandar fazer, a expensas de seu pai, carteira e cadeira se tamanho apropriado para seu tamanho.

Enfim, terminado o colégio e desejando ser militar, foi impossibilitado devido à altura: aos dezoito anos, media dois metros e vinte centímetros e foi recusado sem maiores considerações pelo tenente que fazia o alistamento. Aliás, foi isento até mesmo prestar o serviço militar obrigatório.

Alto e magro, era deselegante, pois andava curvado, a fim de poder passar pelas portas e não bater no teto dos cômodos da casa modesta onde morava. Não conseguia namorar — e nem é preciso explicar a razão.

Cresceu até os vinte e um ou vinte e dois anos. Atingiu então dois metros e quarenta e cinco centímetros, e felizmente, parou de crescer. Sempre magérrimo, suas roupas tinhas de ser feitas à mão, por costureira (as camisas) ou alfaiate (calças e ternos). Também os sapatos eram feitos sob medida, pois o tamanho dos pés excedia em muito o numero maior — quarenta e seis — que se encontrava nas sapatarias da época de sua vida.

Tudo isto causava a Clodoaldo frequentes aborrecimentos, despesa maior com roupas, além da estranheza com que era visto por todos, mesmo vivendo numa cidade pequena em que todo mundo se conhecia.

Foi um homem infeliz. Permaneceu solteiro e além de seus pais ninguém compreendia sua solidão.

Sua morte, aos quarenta e dois anos, foi acidental: tropeçou em uma pedra, na rua, caiu, tentou amparar-se com as mãos, mas um dos braços quebrou-se e bateu com a cabeça na quina da calçada. Foi morte instantânea.

Se as dificuldades com o tamanho cessaram para Clodoaldo, o mesmo não aconteceu com a família.

O velório foi feito em casa. Não pode ser feito no Cemitério Municipal sob a alegação que não havia como acomodar um “defunto tão comprido”, nas palavras do administrador do cemitério. Em seguida, foi o problema do caixão. A funerária contratada para o serviço não tinha uma urna de tamanho apropriado e sugeriu que uma fosse serrada na parte inferior e o defunto Clodoaldo colocado com os pés para fora. Ante a indignação da família, foi feito, às pressas, um caixão maior, e a funerária cobrou um preço extra por isso.

Em seguida, no cemitério outro problema apareceu. O tamanho máximo da sepultura padrão era de dois metros e quinze centímetros e não comportava o caixão de dois metros e meio. Ali, ante a cova, o impasse adquiriu ares de um drama psicodélico.

— Podemos enterrar o caixão de pé. É só afundar mais um pouco a cova.

A família não concordou e a indignação foi geral. Não só os parentes, mas também os amigos e até quem não tinha nada a ver com a situação, achou que era “um desaforo”.

— Ou então, podemos tirar o corpo do caixão e enterrá-lo sentado.

Nova negativa e mais manifestações de descontentamento.

Impasse. Um tio de Clodoaldo, mais despachado, chamou a polícia.

A discussão sobre como enterrar ainda ia acirrada quando se ouviu a sirene do carro policial. Com o aparecimento dos policiais o bom senso voltou a imperar.

O enterro estava marcado para as 16 horas. Era uma tarde fria de inverno, mas os coveiros suavam para ampliar a cova.

Já anoitecia, o sol sem brilho cedendo lugar ao lusco-fusco do fim do dia, quando, finalmente, Clodoaldo descansou na cova comprida e estreita seu corpo extra-longo.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 19 de maio de 2010.

Conto 607 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 28/12/2014
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