A Culpa é das Estrelas, da Lua, do Sol...
 
De repente, viver em Brasa City se tornou quase uma missão impossível! Sim, porque o lugarejo que já era quente, com a crise monstra de calor, virou literalmente uma estufa. A quentura dos tempos passou a ser o assunto da moda e quem falasse em neve, frio, frescura, chuva e chuviscos estava fora das discussões comuns em bares, alpendres e calçadas de casas, ao cair da tarde, quando o solão por fim se punha no horizonte vermelho.

Não está acreditando? Pois é, pois era! No começo ninguém calculou que fosse ser algo tão sério. Homens e mulheres da cidadezinha, que já nasceu meio fogo, pensaram que seria só mais uma onda. Mas a coisa cresceu, floresceu e deu cachos tão calóricos que as proporções gigantescas das quenturas ambientes começaram a fazer parte do cotidiano dos Brasenses de uma maneira assustadora.

Os mais abastados só circulavam em seus carrões refrigerados, os mais desprovidos de poder aquisitivo, só debaixo de sombrinhas, guarda-sóis e panos na cabeça, quase ao estilo dos povos do deserto. E quem achasse feio e démodé sair à rua com esses apetrechos, que se danasse. Tudo era questão de tempo e todos acabariam por aderir, como acabou mesmo acontecendo. Portanto, as ruas de Brasa eram um verdadeiro festival de cores e modelos destes adereços, visto que, a parte dominante do lugar era mesmo a de desprovidos de poder aquisitivo, para não dizer pobre, já que na vida tudo é questão de vocabulário.

Quando a canícula foi se tornando uma realidade insuportável, registrou-se uma corrida maluca à caça de ventinhos fabricados: quem lucrou com isso foram as lojinhas de eletrodomésticos, já que esgotaram seus estoques de ares-condicionados e ventiladores. Não sobrou nada nas prateleiras, e dizem que os fabricantes não conseguiam dar conta da demanda, pois as notícias que chegavam eram de que a soalheira tinha tomado conta, não só de Brasa City, mas de todo o País.

Falar do inferno que invadiu as ruas de Brasa é falar do que todo mundo só falava. Sim! Pois, ir ao mercadinho da esquina, às 3 da tarde, buscar uma coca ultragelada, ou um limão para um suco com gelo, tornou-se uma das empreitadas mais desafiadoras para qualquer cidadão. Os raios ultraviolentos ferviam a cabeça da pessoa a ponto de fazer qualquer cristão — ou não — achar que não conseguiria botar a  coca na sacola e voltar pra casa. Pura verdade! A que ponto chegou o sofrimento daquele povo! Ninguém calcula.

As charges do Facebook, rede social muito famosa, só falavam do assunto! Ovo fritando no asfalto, gente laçando nuvem, espiga de milho virando pipoca, indivíduos com roupas pegando fogo... Eram essas coisinhas que circulavam no veículo mais acessado nos computadores das casas. A obsessão era tanta que, o que a princípio parecia engraçado e era visto até como piada, tornou-se literal motivo das angústias e ansiedades para as mentes torradas pelas altas temperaturas. Também pudera. Não era à toa que aquele País, de clima tropical, já no começo de sua História, chamou-se terra Brasilis. Pra se ver que Brasa já veio de todo um contexto histórico, por aí...

Mas, como tudo tem seu outro lado, alguém se beneficiava do braseiro de Brasa: a bandidagem! Nunca foi tão fácil assaltar à mão desarmada! Isto, porque as janelas e portas não se fechavam para os descansos noturnos. E quando todos, exaustos pelas molezas dos dias escaldantes, se recostavam em seus tórridos colchões e travesseiros, praticamente desmaiavam, se perdendo em abrasantes sonhos! Era a hora, era a festa! Os meliantes, com seus cérebros afogueados pelo desejo da ganância, adentravam as casas abertas e faziam a coleta. E coleta seletiva! Leque, ventilador, circulador de ar, geladeira, frigobar, forminha para gelo, jarra para suco, sombrinha, guarda-sol e tudo mais que encerrasse alguma ideia de refrigério eram surrupiados pelos criminosos. Em casos mais extremos, nas casas mais ricas, arrancavam até o ar condicionado.

Foi por isso que durante uma reunião na Câmara de Vereadores, dona Solange, cujo apelido era Sol, por uma questão quase gentílica, se rebelou contra a situação insuportável em que todos viviam naquele lugar. Vestida de Eva, dona Sol subiu à tribuna e protestou:

— Gente, eu sei que a culpa é das estrelas, da lua, do sol, mas, pelamordedeus, faça alguma coisa pra nos salvar! Vamos morrer torrados neste inferno que virou Brasa City!

Os nobres edis, comovidos, de concreto mesmo nada puderam prometer à esquentada cidadã que, em trajes tão frescos, reclamava por causa tão justa. Mas registraram que eram solidários à causa, a ela, coitada. Ainda mais que ela, tão compreensiva, não punha a culpa no Governo pelo catastrófico fogaréu que assolava Brasa.

 Tudo isso aconteceu, e teve fim, nos idos tempos do ano de 2015, quando Brasa City, finalmente consumida pelas chamas, despareceu do mapa...