633-MEDO ATRAI DESGRAÇA

Que coisa é essa que faz os acidentes por vezes acontecerem justamente com os mais precavidos, com as pessoas que mais se cercam de segurança ou com aquelas que evitam situações de perigo para não sofrerem desastres?

Volta e meia ouve-se a notícia de alguém que temia isso ou aquilo e se encontra repentinamente envolvido em situações que mais temiam.

Você por certo já soube daquele amigo ou conhecido que, por ter enorme medo de cachorro, foi atacado por um. Como explicar isso?

A física quântica tenta explicar pela atração da energia de uma mesma onda ou freqüência. Assim, medo atrai desgraça da mesma forma que amor trás felicidade e ódio causa mais ódio.

Mas vamos aos fatos.

Carlos (o nome é ficcional) um homem de sucesso, diretor-proprietário de uma rede de colégios e de uma faculdade. Começou como professor e em três décadas, a partir de 1970, tornou-se diretor e proprietário de um dos mais importantes sistemas de ensino da capital. Isto tudo devido à sua capacidade, ao carisma e inteligência.

Homem alegre, dinâmico, sempre ávido por aprender, tinha uma fobia: viajar de carro em rodovias. Medo doentio que se instalara em seu subconsciente devido a dois pequenos acidentes com seu carro, nos quais não houve vítimas. No primeiro acidente, ele e a mulher passaram pelo hospital, mas apenas para curativos em escoriações. Entretanto, a repetição dos fatos, o segundo em seis meses após o primeiro, marcou indelevelmente Carlos.

Ele tinha orgulho de sua fazenda situada a cerca de cinquenta quilômetros da capital. Para chegar até a propriedade, usava necessariamente a rodovia que ia da capital ao litoral, muito movimentada, principalmente nos fins de semana, ocasião em que ele ia e voltava da fazenda.

A solução encontrada foi o uso de um ultraleve. Aprendeu a pilotar e adquiriu experiência de vôo antes de adquirir um desses práticos aeroplanos. Há cinco anos fazia o percurso, todos os fins de semana, ele com a mulher ou com o filho, já que o pequeno aparelho só comporta duas pessoas. E ambas podem dirigir.

— Sim, não nego, — dizia Carlos — tenho muito medo de viajar de carro, Mas com o ultraleve, supero o perigo da rodovia.

Aos sessenta anos, era um exemplo de vitalidade, equilíbrio e bom senso. Não fazia peripécias com o ultraleve (mesmo porque o aparelho não permite) e dirigia estritamente dentro das normas de segurança.

Naquela tarde viajavam Carlos e o filho, Juninho, de trinta anos, que também pilotava o ultraleve. Céu claro, sem nuvens, visibilidade excepcional. Os empregados da fazenda observavam a chegada do aparelho, que sobrevoava a fazenda.

— Vi Juninho com a máquina fotográfica. — Relata Manoel Garcia, pião da fazenda — Estava tirando fotos. Mas, quando o aviãozinho estava lá perto daquele bambual, ouvi o barulho de uma explosão. Estava contra o sol, de forma que não vi direito o que aconteceu. Mas logo em seguida ouvi o estrondo da queda.

— A gente correu na direção do barulho. — Zé da Penha completa a narração do colega — Quando chegamos no pastinho atrás do bambuzal, lá estava o aparelho, o bico enterrado no chão, as asas quebradas e o rabo apontando pra cima. O patrão estava jogado numa touceira, há uns dez metros e o Juninho estava do outro lado, também estendido no chão.

E Garcia conclui:

— Eu ainda ouvi o gemido do patrão, mas quando agachei pra ajudar, ele já esta morto. Juninho deve ter morrido no baque, pois estava todo desconjuntado, coitado, e não dava mais sinal de vida.

Eu fico cá pensado...

Será que tem algum fundo de verdade esta história de amor atrair felicidade e medo atrair desgraça?

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 28 de outubro de 2010.

Conto # 633 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

Inspirado em reportagem da morte de Marcos Lucio do Bom Conselho, 60, e o filho, Gladston, 36, ocorrida em 23.10.2010 publicada no jornal O Tempo de 24, pag. 23.10

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 21/01/2015
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