Dieta pernilciosa...?

A palavra sanduíche soava como um sonho, algo de muito especial pras nossas barrigas sem-fundo do juvenil mundo. Associávamo-la com maior frequência àquela parada do ônibus no Pará de Minas, no caminho de Beagá, em cujo bar se servia um famoso sanduíche de pernil. Mais famoso que saboroso, pois a ocorrência de mera mordida naquele acepipe continuava pertencendo ao campo onírico.

E tia Lia é que dele falava gostosamente letra por letra, narrando-nos de suas viagens por lá: o "sandiche de pernir do Pará". E foi justamente por aquele tempo, in illo tempore, como rezavam os quatro evangelistas que, em razão de agravadas dificuldades com o arroz e o feijão de cada dia, surgiu quiçá do espaço anil, a idéia de comermos sanduíche no almoço.

Na ponta do lápis - as calculadoras eram ainda as FACIT, barulhentas e privilégio de bancos e assemelhados - chegara-se à conclusão de que pão-de-sal com um ovo frito, uma mortadela, umas fatias de tomate, sairiam mais em conta no custo - e no preparo, principalmente - uma vez que as melhores horas do dia de mamãe e de papai eram devotadas à fome interminável da tecelagem e à nossa escola.

Embora não se antecipassem iguarias recheadas do famoso pernil do Pará, a simples idéia de comer sanduíche diariamente nos alegrou o coração - como fazia o vinho aos gregos (oínos efreiné kardía - e que me corrija o eventual helenista plantonista)! Era a redenção das vontades suprimidas. I

sso sim, agora, é que era vida. E nesse clima, o dia inaugural do sanduíche foi pura festa. Mal podiam as nossas papilas gustativas esperar o repeteco do dia seguinte, e dos muitos outros que estavam por vir.

Mas, porém, contudo, todavia, entretanto e no entanto, qual não foi o gosto de déjà vu, logo no dia seguinte, e no terceiro dia, já era capaz de dar engulho aquele embrulho. Que coisa mais sem-graça, que se chega a garganta, de lá mal passa.

E a gloriosa iniciativa foi logo abandonada, para dar lugar a febril reconciliação com a dupla arroz-feijão. O que não saía agora do embrulhado estômago era o pernil do Pará. Hora de pará?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 14/03/2015
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