Pensão do bem...

Era o tempo dos IAPs: IAPI, IAPC, IAPTEC, Iporaí... E a ida à capital, ou a algum centro regional mais próximo fazia-se absolutamente necessária para quem quisesse fazer suas consultas, seus exames, e operações, se não houvesse outros senões. Houvesse saúde para enfrentar toda a maratona de autorizações, licenças, viagem, filas e a hospedagem naquele formigueiro desumano que ia virando a Beagá.

Mas lá muito se ia e até se divertia. Quando não a si próprio, aos outros, pelo menos, era batata. O trem levava uma boa jornada para ir fazendo suas paradas fumacentas até lá chegar. E isso quando não havia atrasos e baldeações. E não sem razão, a maria-fumaça, mesmo já a diesel, ia cedendo lugar pra jardineira que, ligeira, e com muito

mais poeira, ia-se sacolejando estrada a fora, em meio ao pedregulho que a tanto estômago causava embrulho. E a vomitação, na sacolinha, janela ou chão era mais regra que exceção.

E se chegava bombardeado àquela cidade dos automóveis, dos papafilas, dos arranha-céus e das belas ruas arborizadas, asfaltadas e lojas variadas e abastadas. Só que o objetivo primeiro da viagem era a ida ao IAPI pra não se perder o tempo.

E com a dispersão da parentela, que mais e menos na periferia, e que se gostava bem de uma visita, temia um parasita, o jeito, ainda que mais caro, era procurar as pensões. E numa dessas, na Paraná, é onde dona Cinira está. Hoje, porém, só na lembrança, quiçá, pois tempo nisso muito há.

Mas foi lá que Tia Rita e suas irmãs se hospedaram por anos a fio e voltavam com histórias cabeludas, além daquela, incrível, sensação do alívio. Por retornar, viva, sã e salva. Mesmo que o médico lhe tivesse apalpado em demasia, ou só lhe tivesse marcado exames para os próximos seis meses.

Numa dessas histórias da pensão, contava tia Rita, ainda aflita, dividiu quarto com umas seis pessoas e uma delas era uma senhora que era um arado, tinha fome colossal, ainda que magra, quase esqueletal. Sempre que alguém anunciasse que sairia, estava a senhora a pedir que lhe comprasse comida, umas frutas, sanduíches, o que fosse, pois

precisava saciar a fome que não morria.

A sorte de tia Rita, numa noute, sonho ou realidade, foi acordar e constatar o corpo inteiro - ainda que lhe faltasse o travesseiro.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 18/03/2015
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