Figurante

O sol era de rachar, mas não impedia os nossos impulsos de correr com alacridade pelo chão gretado do pátio escolar - até que soava a sineta do velho e comprido porteiro Gomide.

Pouco tempo sobrava para juntar os cadernos, com as mãos suarentas, e entrar na fila, sempre atrás das meninas, que vinham do pátio anexo, separados que éramos, e que errávamos, por uma tela bem grossa.

E ai daqueles mais atirados, que ousassem invadir o pátio das meninas, por sinal muito mais amplo e lindeiro com uns fundos de quintais arborizados que quebravam a dureza daquele piso duro - ou do alto muro.

Quanta vez, não teremos na nossa meninice que escapa à meiguice, cobiçado algum cacho de bananas já amarelando e nos acenando de quintais vizinhos - e nós ali no nosso pátio confinados, privados de trespassar o pátio das meninas... E elas nem pareciam se dar conta daquelas bananas, ou outra fruta, que lhes pareciam - e padeciam - ao alcance de u'a mão esticada, ou d'uma rápida trepada...

O consolo era não olhar, fazer de contas que não estava notando e, ao invés da correria sob o sol escaldante, buscar a sombra minguada que a varanda assoalhada proporcionava e, na terra bruta, ou numa beirinha de alicerce, 'bater figurinha' como fazia com maestria o Guilherme que, apesar de seus três dedos apenas - que lhe deixara um foguete mal-explodido - vivia sempre a faturar, com os bolsos cheios de tanta figurinha empoeirada...valendo tanto, e valendo nada...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 04/04/2015
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