Quixoxotesca

Amâncio Pinto era a dignidade em pessoa. Na literatura, então, sem senões, ia de Caminha, a Camões. Venerado pelos familiares, amigos e distantes jamais fora em argumentações desafiante. Sempre achava o bom instante para a conciliadora posição, independentemente de operário ou patrão, situação ou oposição.

Sua vida familiar, no seu mais duro cerne, parecia correr tranquila, sem eventos dignos de nota, sem perder a rota, sem batalha de Aljubarrota.

Era doméstico, o Amâncio: casa, trabalho, obrar e volta pro lar. Aos domingos e dias santos não era omisso, à missa ia, se compungia, e por vezes comunhão até fazia.

As amizades eram serenas, amenas, de Esparta a Atenas. Esportes eram seus conhecidos mas apenas referidos, nada de prática daquele cinquentão, a ponto de se equiparar ao seu desfervor por religião.

No entretenimento, sem parceiro para o xadrez ou o gamão, recorria ás cartas então, não fazendo feio, nem se destacando naquele meio. Alguma graça fazia, mesmo quando uma canastra de ás a ás lhe fulgia, e logo fugia.

Distante dos albores juvenis, recorria à leitura e ao convívio com as teclas. Ora de piano, ora da informática, onde foi adquirindo prática - sem contudo ser esta enfática.

Felecido e cremado após breve enfermidade, entrou para a eternidade.

Um sobrinho foi que, entre seus guardados entre folhas de listas telefônicas, encontrou pequeninos embrulhos transparentes que continham feixinhos fios de cabelos, entre doirados, aos mais negros e encaracolados.

Foi só depois da retirada dos setenta e seis insólitos sachets foi que ocorreu ao estouvado sobrinho que a identificação de cada sachet poderia bem estar relacionada a alguma anotação, ou correlação com determinada página dos catálogos. E aí, o que parecia levar a um

aplauso de louvor não passou de estranha dor.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 17/04/2015
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