Beijo de Meireles

Casado com dona Cota, Benjamim fez-lhe uma penca de filhos, que não é o caso contar aqui - pois hoje deles, pra lá de octogenários, só restam dois.

Cheguei a conhecer o casal em plena maturidade, visitado regularmente pelos filhos e netos nos fins de semana, tempos esses em que o Señor Abravanel não passava de reles mascate, cheio de sonhos, contudo.

Após cumprir sua incumbência bíblica no tocante ao crescei e multiplicai, no entanto, não consta que o Beijo - assim no abreviado chamado - outra tarefa tenha desempenhado. Esgotada sua cota, ficava em casa, papava sua bóia e palpitava pouco em relação à sua expansiva e estridente dona Cota. E aos respectivos rebentos, gente palreira, além de seus pendores entre cantores e a arte violeira.

Por alguma razão que jamais alcancei - e agora posso dizer com a tranquilidade dos conformados, jamais alcançarei - Dona Cota, vencidos os anos mais felizes de Cupido - passou a chamar, cada vez com mais frequência e estridência, o marido Beijo de carderão de merda. Ela, que precoce e progressivamente começara a perder a audição, parecia pouco se importar com alguma eventual reação. Que nem vinha não.

Beijo fazia ouvidos moucos, e ruídos inda mais poucos. O mundo era mesmo do loucos.

O Meireles apareceu por conta de nossa curiosidade infantil, ao perguntar a papai - primo de Dona Cota - sobre o enigmático Beijo. Sem tomar partido, papai foi ainda mais enigmático e econômico na resposta:

- O Beijo é de Meireles.

(E Meireles, onde nasceu esse outrora Romeu, não era mais do que um povoadozinho nas franjas de Pará de Minas, ainda sem ruas, sem esquinas)

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 04/07/2015
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