= Dificuldades.... =

O nome dele não sei, já o conheci pelo apelido, Gigante.

Gigante é pequeno, fraquinho, mirradinho, um pinguinho de gente.

Tanto que pra subir nas calçadas precisa correr pra pegar impulso.

Seu melhor e único amigo também não ser o nome, já o conheci por Miúdo.

Miúdo é imenso, alto, um poste e sofre com sua obesidade mórbida.

Dizem que ele não faz compras, come o supermercado.

Gigante, o pequeno, tem um grande sonho, ter um carro, mas não tem dinheiro.

Passa horas à janela da sala, na ponta dos pezinhos, em cima de uma cadeira, vendo e sonhando com os carros que pela rua passam.

Sua mãe cujo nome também não sei, já a conheci pelo apelido de Dona Risonha. Pessoa séria, sisuda, calada, vive sempre de cara amarrada.

Não aguentando mais ver o filho naquela agonia, naquela ansiedade, desespero por ter um carro sempre com aquela carinha de bezerro desmamado, juntou um trocados, rapau uma poupancinha que tinha no banco, vendeu umas galinhas, uns patos e comprou um carro pro filho.

Um Fusca amarelo, de não se sabe quantas mãos.

Gigante ficou radiante com o presente. Mas só então lembrou-se que não sabia dirigir. Mas isso era um problema pra outro dia. O que ele queria agora era curtir seu "possante".

Mas aí veio uma preocupação maior e mais urgente.

Sentado no banco seus pés alcançam os pedais, mas nada enxerga à frente, além do volante. Teve a ideia de colocar um caixote sobre o banco, beleza, agora enxerga a estrada mas... como alcançar os pedais?

Gigante chama o amigo Miúdo pra mostrar a grande novidade.

Quando Miúdo chega depois de muita demora, Gigante, que é folgado diz: - Demorô hem, seu gordo-baleia-saco-de-areia, por que não veio rolando?

Miúdo nem responde, tantas vezes já foi, pelo Gigante zoado.

Para o problema da altura, Miúdo sugere sejam soldadas extensões nos pedais.

Dona Risonha dá um pitaco: - E se mandar adaptar? Gigante não é deficiente, mas é muito pequeno. Mas deve ser caro. E eu nem tenho mais dinheiro. Rapei o tacho pra comprar o carro. Senão esse moleque morria aguado. Nunca vi tanta vontade de ter carro!

Miúdo diz - Nem compensa viu Dona Risonha. Vai ficar mais caro o feijão que o caldo. Além de ficar mais carro que o carro, vão rir da senhora pelo estado lastimável do "possante do Gicante". - e dá uma risadinha irônica. E completa: - E se escrevermos uma carta pro Lata-Velha do Luciano Ruqui?

Ao que Gigante reclama: Qualé meo! Zoa não, meu possante tá zerado!

Dona Risonha fala novamente: E dirigir? Como esse disinfeliz vai dirigir?

Se nem carriola nunca dirigiu? A carta ele jurou pra mim que pagava pra tirar se eu lhe desse esse bendito carro de presente!

Miúdo, solícito com cabe a um bom amigo, se oferece:

- Não sou habilitado, mas umas vezes andei reinando num jipe que meu pai tinha. Eu era um pouco mais magro... Posso dar umas dicas pro Gigante, aí fica mais fácil pra ele lá na Auto Escola.

Como já estava escurecendo, Gigante perguntou pra mãe?

- Fez compras, mãe? Senão nem adianta convidar o Miúdo pro jantar!

Miúdo doido pra filar uma bóia, seu esporte predileto diz:

- Olha você errado de novo ai!

Durante o jantar combinaram que no dia seguinte Miúdo viria e traria uma máquina de soldas do pai dele, e soldariam as extensões nos pedais.

Naquela noite, Gigante, dormiu no carro, enrolado num cobertor, sonhando com as viagens que faria no seu "possante". A primeira ele já sabia qual seria. Chamaria Ritinha, uma anãzinha com quem ele "ficou", na última passagem do circo em que ela trabalha, pela cidade. Tinha intenções de tornar a "ficada" em algo mais sério. Sorriu sozinho ao imaginar ele e suas duas paixões, seu carro e a Ritinha, indo pra Cidade Ocean, conhecer a praia, seu terceiro maior sonho. Dormiu feliz.

No dia seguinte bem cedinho chegou como combinado, trazendo a máquina de solda, o Miúdo.

Enquanto Miíudo tomava seu segundo café da manhã, Dona Risonha sugeriu: - Porque vocês não vão dar uma volta com o carro antes de soldar os pedais? Ai vocês aproveitam pra testar e ver se o carro tá bom mesmo segundo me garantiu o homem que me vendeu. Não gostei nem um pouco da cara de embrulhão dele, mas não podia perder o preço que ele me pediu? O Miúdo vai dirigindo e o Gigante vai observando com atenção como você faz.

E foi o que fizeram. Ou melhor, tentaram fazer.

Uma missão quase impossível para o Miúdo conseguir entrar no Fusca.

Não sem a ajuda de Dona Risonha. do Gigante e de mais uns cinco ou seis vizinhos que curiosos com a barulheira e movimentação vieram correndo para ver o que estava acontecendo.

Finalmente mais de meia hora depois, com a ajuda de todos, torce daqui, retorce dali, empurra banhas daqui e de lá, e outros puxando pela porta oposta, Miúdo conseguiu entrar no carro.

Ainda sob aplausos, gritos de ufa, até que enfim, juro que achava que não íamos conseguir enfiar esse cara no carro. Gigante suado e cansado,

pois ele era o maior interessado, entrou do lado do carona.

Já reclamando: - Como vou assim, espremido contra a porta desse jeito? Precisava ser tão grande desse jeito, seu baleia orca?

- Não vai dar!

- Não vai dar o quê, gorducho? pergunta o Gigante.

Gemendo e com falta de ar, Miúdo diz:

- To falando, carai, que não vai dar! Como vou dirigir assim, apertado e torcido desse jeito, com o queixo enfiado no peito, não consigo ver um palmo da estrada. E esse volante que parece uma roda de carroça metade enfiado na barriga, como vou manobrar? E onde foi parar o maldito do câmbio?

Pensaram até em chamar os bombeiros pra tirar o Miúdo do Fusca.

Novo puxa e empurra, com Dona Risonha abanando o coitado com uma tampa de panela, uns vinte minutos depois, conseguiram resgatá-lo.

Ficaram lá um tempão. Miúdo ofegante, suado, tentando recuperar a respiração. Gigante, andando pra lá e pra cá, com cara de choro. Dona Risonha resmungando, soltando imprecações, xingando nem se sabe quem como sempre... Perderam até o tesão de soldar as extensões nos pedais do Fusca.

Gigante ainda tentou dar uma ideia:

- E se o Miúdo for no banco de trás, só dando as dicas?

O que Miúdo rechaçou veementemente, depois de atirar a garrafa de água pela metade que estava bebendo, a terceira, na cabeça do Gigante, dizendo: - Qualé seu viado, seu bosta! Tá me tirano?

E agora a maior dificuldade é a minha que não sei como terminar esse causo.

*Escrita ao som de "Choupana Velha" na voz

de Zeca Gado e Toco Sujo.

Roberto Coradini {bp} =

11//07//2015