O Trovador de Toledo

Da numerosa prole de dona Cota, Raimunda é a caçula. E a que permaneceu por mais tempo na companhia diuturna da mãe, pra lá de sessenta anos. O que as separou na terra, as unirá na abóbada infinita na companhia do Pai. O Pai eterno, e, com as suas bênçãos, o biológico Benjamim, o Bejo, que partiu antes de dona Cota e de quem

andou desavinda por uns tempos. Mas tudo caprichos humanos, lá no paraíso as pazes se refazem de forma permanente, por omnia saecula saeculorum. Está nas Escrituras e estará mais visível e duradouro ainda nas sumas alturas.

Dona Cota, mãe extremada, amorosa e muito reverenciada, tinha direito aos seus caprichos, direito esse que foi aumentando na proporção avassaladora de sua surdez. Daí, uma razão para implicar com o Bejo, aquele 'carderão de m.'.

Raimunda, o sinônimo mais acabado do amor filial, manteve-se ao pé, e aos lados da mãe, satisfazendo-lhe as vontades, entre aos quais, levá-la ao cinema 'para ver a Margarida'. A Margarida era a Dercy Gonçalves que desde aquela época tornava as noitadas mais aprazíveis, risíveis.

Os cuidados intensivos com a mãe, que cresciam em exigência, aparentemente chegaram a interferir até nos esponsais da ainda casadoira Raimunda, cuja união com o Crispim, chofer da companhia de tecidos, mais que breve, foi efêmera.

Mas Raimunda tocou a vida pra frente. E o quanto encantara nas funções religiosas, assim como nas modinhas dos salões, e dos serões com sua afinada e apaixonada voz de soprano, continuou encantando e conseguindo adentrar os tímpanos da mãe - sem descuidar, nada obstante, de flechar corações.

Entre suas favoritas canções, 'O Trovador de Toledo' era das mais apaixonantes, daquelas que transportavam para uma Espanha de magia como só ela - ou Don Quijote - lo sabía. Ou seria Don Juan, que a perseguia?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 11/08/2015
Reeditado em 11/08/2015
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