Pobres dos que têm Trapezistas na Cabeça

Foi pela fenda em minha testa aberta há séculos que ele entrou, não sei de onde veio, nunca me contou. Imaginei ter sido expulso de um teatro mambembe por amor a bailarina, amante do palhaço Chupetinha, ou veio depois que o circo Irmãos Gabrielle, do circuito Natal/Mossoró faliu...

Instalou seu pequeno trapézio na capota do meu crânio, deve ter usado uma furadeira, e outras ferramentas inclementes, foi aquela dor de cabeça que tive e durou o dia todo.

Desde então sinto o vento norte sul constante em minha mente. Não é fácil ter instalado um trapezista na caixa craniana, assim com toda massa cinzenta como espaço embalativo...Não é fácil.

Mistura os pensamentos com inocente alegria, penso que se apaixonou pela malabarista bipolar que já nasceu neste lugar, desde que ele chegou, vou do céu ao inferno com uma freqüência maior, juntos sei que chamam outros artistas, o bufão Abenias que morava no meu sorriso, migrou paro o cerebelo. O trovador Rimbauld que servia sincero meu coração, fez tenda no encéfalo. Estou destituída de mim. O circo está crescendo, pelas noites cresce mais, os anões que eu mesma chamei há muito tempo pra dentro de mim, pra livrar minhas veias dos radicais livres de lembranças presas, estão migrando pra cabeça, somam 340 segundo minha última conta.

São boêmios como deve ser todo artista, por isso acenderam com tochas minhas noites de sono. Durante o dia divago, tento, planejo pra logo mais como um castelo de cartas caído, tudo embaralhar de novo. O pior de tudo; o público.

Faz uns dias começaram a surgir entre lembranças, pessoas tantas que sentam no afofado das poltronas pineais para assistir ao espetáculo invejável que produziram ali. O mágico Van der Kaplan abriu todos meus baús de idéias hermeticamente lacrados, não sei, mas conseguiu, como só se consegue um mágico.

Ouço aplausos há cada duas horas, às vezes me é concedida uma entrada e assisto também...

Não há como não chorar, cada pedaço de mim, fazendo em minha cabeça tamanha folia contando tantas histórias, histórias da minha vida.

Foi pela fenda da minha testa que ele entrou, montou a tenda azul e amarela, desfez as minhas rédeas, e em minha mente criou esse palco que se torna itinerante quando ando, tropeçando pelas travessas e esquinas, indo, vindo...Sem ter noção alguma de quem eu sou, ou onde estou.

Assim caminho sem saber porquê...

O show é um sucesso, ouça os cambistas!

Vendem o bilhete 10 vezes mais caro que o preço do trapezista...

Estou sem ação, sinto o vento norte sul constante em minha mente. Não é fácil ter instalado um trapezista na caixa craniana, assim com toda massa cinzenta como espaço embalativo...Não é fácil.

Heloisa Galvez
Enviado por Heloisa Galvez em 04/07/2007
Reeditado em 04/07/2007
Código do texto: T552216
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