Dorival e Floriana
Dorival sozinho está, em uma sala onde o estar não está mais. Lá, ele, ele e ele coexistiam.
Dorival estava agitado. Um esplendor até outrora inatingível o perturbava. Dorival...
A luz -findando-se- brilhava presa no teto empoeirado. E a doce aranha arranhava fuxicos em forma de fios invisíveis.
Ímpar, Dorival atirou-se no sofá duro e habitado. Habitado?
Ah, Dorival...
A farpa farfalhou no teto e jogou-se, atirou-se num suicídio louco, extremo. Dorival acordou. A farpa o olhou, mas foi ignorada.
Passos, ruídos, ameaças.
Dorival abriu bem os olhos grandes e esperou. Que rumo tomar? Que loucura fazer?
Dorival esperou.
O som abafado calou-se e Dorival não... Esperou mais, menos... a que? A nada.
Os sapatos de Dorival nada sabiam, mas em segredo, os dedões brincavam com os inferiores indicadores, alheios ao dever. Por que Dorival?
O relógio parou, o cuco estagnou como braço exposto. E a noite soprava o candelabro aleijado. A sala tremia.
A farpa já não cai. Só o estranho ruído se lança ao ouvido de Dorival.
Ele se joga como algo sem quê de nada, e se agarra ao vazio. O ruído continua. Dorival!
O ruído aceso se abafa, mas ecoa em Dorival.
Bate-bate na cabeça. Movimento no peito.
E agora, o que fazer Dorival?
Dorival cresce o olho para o ganso de cima da mesa de centro. O ganso se assusta, e não se mexe.
Dorival sua. Sua mão soa teleco-tecos.
O neurônio arquiteto se prepara.
Algo ruge. Dorival desperta do transe.
Levanta! Anda. Anda não, Dorival... Corre! Corre até a copa vazia, onde nada há a não ser dois Dorivais.
Mas entre um Dorival e outro há um objeto pontiagudo e maciço. Calma, Dorival...
Não pensando e fazendo, Dorival apanha –exasperado- o objeto único e o aperta na mão. Dorival olha para o teto. Na sala onde nada de estar está, olha e vê que no teto faltam duas farpas e dois ruídos.
Dorival, com o objeto na mão, sobe a escada, que grita para a porta que geme e acorda Floriana. Flo-ri-ana...
Dorival tem no rosto o poder do objeto.
Floriana tem uma expressão inocente e se agarra ao travesseiro, e se encolhe. Ao seu lado um copo com água.
Dorival... e Floriana
Floriana...
Dorival!
Dorival.
À meia luz, a menina –trêmula- retira o travesseiro do rosto de Dorival e sua expressão sufocada é agora eterna em suas femininas lembranças.
Na mão do pobre homem, uma chave.