Quando Eu Não Era

 

 

    

       Subia as escadas do primeiro ano primário rezando Ave-Maria, e pedindo para Deus proteger minha mãe, meu pai, minha vó Antonia, minha vó Trindade, meu irmão, eu e a Tonca; Tonca era minha pequinês de olhos esbugalhados; não era carinhosa; mesmo assim, tinha espaço em minha orações. Preferia ficar quieta durante a aula, jamais fiz ali bons amigos, eu não me dava a eles. No recreio era eu e minha lancheira rosa sentadas no banco acima do pátio de esportes, jamais comi meu lanche, jogava-o fora por medo das broncas da minha vó, na laranjada com gosto de garrafa plástica dava pequenos goles. As meninas não ligavam pra mim, sabia que era uma carta fora daquele baralho escolar. Ali apenas estava; nunca fui. Na tela da minha mente via minha casa, meus pais, meu irmão, vó e brinquedos. Só.

      Meio-dia corria para o portão para encontrar a pequena mulher que não podia se atrasar.

Ela sabia disso, por isso jamais se atrasou. Perguntavam-me como fora a manhã e  eu respondia; igual, tudo sempre é igual quando não somos, apenas estamos. Igual.

     Chegava em casa e tirava junto com o uniforme minha roupa de não ser. Era feliz. Em nada me parecia com a menina do colégio, ria, brincava, tinha amigos, e os amigos gostavam de mim. As cinco da tarde perguntava à minha mãe se o dia demoraria a passar. Ela sabia que devia responder que sim, e respondia. As oito da noite a angustia se aproximava, e por não gostar dessa companhia chamava logo as nove da noite; hora de dormir.

    Só dormia depois de tentar distrair-me com personagens criados nos dedos, como o Coelho Oscar e a Galo Dinorah, que depois vim, a saber, ser nome de mulher. Travava longos diálogos até que ambos dormiam comigo.

    Acordava as seis da manhã com minha vó puxando meus pés; despertava a mim e a angústia. Tomava banho e colocava minha roupa de não ser.

    Entrava no carro com meu pai e a pequena mulher. No caminho ouvia; vambora, vambora, olha a hora vambora, e as previsões de tempo de Narciso Vernise.

    Chegava na escola e beijava meus pais; culpada, sempre revelava algo que tivesse aprontado e pedia perdão.

     Subia as escadas do primeiro ano primário rezando Ave-Maria, e pedindo para Deus proteger minha mãe, meu pai, minha vó Antônia, minha vó Trindade, meu irmão, eu e a Tonca; Tonca era minha pequinês de olhos esbugalhados; não era carinhosa; mesmo assim, tinha espaço em minha orações.

 

 

 

 

    

      

Heloisa Galvez
Enviado por Heloisa Galvez em 06/07/2007
Código do texto: T554521
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