O INSÓLITO TERNO BRANCO



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Júpiter, nome estranho para um ser nada planetário, que não se alinhava com nada que tivesse nexo ou sentido, nesse mundo. Era apenas um homem, magrelo, fétido, que trajava um terno branco, impecavelmente limpo, o que por si só já era uma desconexão com o Universo, figura ímpar, por assim dizer. Vivia pelo porto da cidade de Santos, andando sem rumo, arrastando um saco preto molengo, parando de quando em quando, apenas para comprar cachaça e torresmo, ninguém sabia seu nome, que idade tinha ou onde morava, só ficavam impressionados, com a brancura do terno que abrigava aquele corpo esquálido e sujo, que fedia de longe, quase não se aproximava das pessoas, e também o odor as repelia sobremaneira, era mesmo insuportável. Júpiter, não tinha memórias de passado, só sabia do dia de ontem e o repetia e repetia, repetia, o grande mistério era o terno branco sempre alvo e limpo. Uma negra já gasta pelo tempo e pela luta diária, nos favorecimentos sexuais, aos estivadores e às almas perdidas do porto, na calada das noites pardas, foi quem esclareceu o mistério do terno branco. Todas as sextas-feiras, em troca de favores de segurança, pois Júpiter, aparecia de repente, quando algum brutamontes a estava agredindo, não que ele tivesse forças para socorrê-la, mas, o fedor espantava qualquer um, então em troca, ela lavava seu terno e o entregava como paga. Dentro do saco preto, ele tinha, biscoitos e um cobertor, que ganhava de algumas boas almas de uma igreja próxima, além de uma camiseta e um short imundos, com os quais se vestia para que a negra lhe lavasse o terno branco, por mais que ela já tivesse oferecido, muitas vezes, nunca aceitou tomar um banho, dizia com poucas palavras que não precisava e simplesmente, se calava. A negra toda a sexta-feira, precisava arejar o humilde quarto, aspergindo algum perfume pelo ambiente, pois o cheiro que ele exalava contaminava tudo no lugar, mas, ela era uma boa alma, tentava ajudar a pobre criatura de alguma forma. Um dia na beira do caís, Júpiter foi encontrado, sem o terno branco, morto e com feridas à faca pelo corpo, agarrado ao saco preto, foi velado pela negra e uma vela única, enterrado numa cova rasa, sem oração e como uma última homenagem, a negra colocou sobre seu caixão, um surrado paletó branco, de segunda mão.

 
Cristina Gaspar
Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 2016.

 
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 16/02/2016
Reeditado em 16/02/2016
Código do texto: T5545339
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