A mulher que sabia matemática 

     Que cada ser é único, portador de uma série de identificações, que o insere numa seqüência numérica, desprovida de emoção, disso ninguém discorda, no entanto, Geralda Cristina parecia ter sido talhada pela matemática, tal sua facilidade com números, fórmulas e afins. 
     Aos quatro anos já era capaz de realizar cálculos complexos – de cabeça, o que é comum aos gênios empíricos. Nem sabia ler ainda. 
     - Filha, quanto é doze vezes três? 
     - Trinta e seis, pai. 
     -  E vinte e cinco divididos por cinco? 
     - Cinco, ora! – respondeu a fofucha com desdém. 
     Quando tinha oito anos, realizou a proeza de salvar a mãe de um apuro. Esta adquirira um fogão novo, desses modernos que acendem apenas de você olhar pra ele, e endividara-se sem precedentes. Vendo sua genitora nervosa, mergulhada num mar de multas e juros-de-mora que se avolumavam como vagalhões, sentou-se a sua frente, calculadora em punho, e destrinchou uma fórmula mágica capaz de surpreender economistas renomados. E ainda sobrou algum. Genial! 
     Quatro anos mais tarde, na sexta série, numa prova que envolvia frações, fez uso de uma equação que seus colegas só teriam contato no então Científico. Contam que o professor considerou errada a solução, mas reconsiderou ante os apelos sensatos de sua coordenadora de disciplina, que antevia nela um fenômeno. 
     Naquele ano, Geralda foi inscrita em uma Olimpíada de Matemática – comum nesses tempos de valorização do ensino. Recebeu uma medalha de bronze, ainda que disputando com alunos de séries mais avançadas. 
     Era obcecada por datas e outras coincidências numerais. Nascera no dia 25 de um ano cujas unidades somadas perfaziam um total de 25. Batizaram-na no dia 13/12. Morava na Rua(3) Doutor(6) Amâncio(7) Pereira(7), nº 11, total: 25. 
     Com os carros e suas placas, travava um duelo incessante: “A placa do carro do papai é 4896. 48 x 2 = 96”. Outra: “2245. 2 x 2 = 4 que é vizinho do 5. Perfeito!” E por aí seguia a brincadeira (?). 
     No terceiro ano, às vésperas de prestar o exame vestibular para a Faculdade de Economia, Geralda Cristina se apaixona. 
     Geraldo José, além do homônimo alentador, era excelente aluno em sua disciplina favorita. Nascera também no dia 25. Seu CPF – nossos números de série, robôs que somos – aditado totalizava 55: “5 x 5 = 25, yes!” – empolgava-se uma renovada Geralda. 
     Passou a viver um tórrido romance. Eram unha, e carne, e pele, e odores, e suores. Tornaram-se amantes e amados. Não conseguiam pensar em outra coisa, já que beijos e abraços reiterados satisfaziam suas carências elementares. Os amigos comuns admiravam a dedicação mútua. Planejavam o futuro em comunhão; seriam felizes e criariam geraldinhos lindos e saudáveis. 
     Desvendariam os mistérios da humanidade ultrajada. Leriam as histórias de amor irrealizado e sofreriam pelos desgraçados enamorados. Assistiriam a filmes lacrimosos, e não se separariam num naufrágio do destino, antes morreriam abraçados e congelados como personas gregas de trágica memória. 
     Sentiram-se gentes... Foram reprovados em Matemática.