O trono de Deus

Estava velho! Deus, como sentia-se velho! Era um pensamento absurdo aos seus trinta e cinco anos, mas podia imaginar os cabelos brancos crescendo em suas temporas enquanto o vento soprava o seu suor. Sorriu sem ar, pelo menos ainda era capaz de exagerar. Nem tudo estava perdido se ainda era capaz de viver nos extremos. Sentiu os joelhos fraquejando, mas não entregou os pontos ao corpo. Faltava pouco ao topo, podia sentir o vento. Espremeu o passo, nunca fora de desistir, não iria começar agora. Sentiu uma pontada no rim e soube que seu maquinário trabalhava a todo vapor. Tinha dois rins, não fazia tanta diferença. Torcia apenas para que a próxima pontada não fosse no coração. Sentiu a bomba batendo apressada e ficou imaginando a vergonha que seria ter um ataque cardíaco aos trinta e cinco anos.

Como se fosse assim tão difícil deixar falhar a máquina.

Era capaz de sentir o sangue correndo em suas veias, ondas borbulhantes, em uma velocidade assustadora. Sorria, pela primeira vez em meses. Era exatamente por tudo isso que estava ali. Pela pulsação, pelo desafio, pelo medo de morrer. Enquanto pulsasse em si o medo de estar morto, teria certeza de que ainda estava vivo. Estendeu as mãos agarrando outra saliência, os dedos grossos e desajeitados aprisionando-se a pedra, penetrando-a, fazendo parte dela.

"O que houve com as sua mão?".

Sobre o balcão do bar, a mão enfaixada ao lado do copo cheio. Ele parou sobre as ataduras vendo o anelar vazio. Devia ter coberto aquele dedo também, devia tê-lo perdido para a rocha. Correu os olhos do balcão para ela. Um sorriso claro, os longos cabelos soltos, dourando sobre um vestido negro. Ele não devia! Sabia! Era como encarar um alto pico, como imaginar-se no topo do mundo, acima de todos, acima de tudo. Como encarar o mundo lá embaixo, em todas as suas pequenas mesquinharias, enquanto, por um instante, você é tão forte quanto Deus. Ele não podia alcançá-la, não podia ser Deus. Poderia morrer no caminho.

Mas ela sorriu, como o sol que cintilava sobre a neve dos picos. Um convite sereno ao trono divino. E talvez, então, ele ainda pudesse se erguer. Talvez, então, ele tivesse alguma força.

Sua perna direita enrijeceu. Ele sentiu o suor escorrendo pelas costas. Trinta e cinco anos e morreu de câimbra. Não havia sido uma vida ruim. Pela primeira vez se questionou sobre o motivo de estar ali. Era velho demais para a idade que tinha. Era velho demais, depois dela.

Enquanto fumava seu cigarro, questionava-se sobre o motivo de estar ali. Sua mão ainda doía, enquanto ele abria e fechava os dedos. Ao seu lado, sob os lençóis desarrumados, ela dormia. Ele via seu peito subindo e descendo pesadamente, enquanto ela se entregava ao sono. Aquele era o topo do mundo, o trono de Deus. Ele sorria, mas não se preocupava com a descida.

"Vamos lá, sua perna maldita! Mais uns metros!"

Ela o havia deixado meses mais tarde da mesma forma como havia surgido. Sem aviso, sem motivo. Apenas um pedido de desculpas e mil perguntas pelo ar. Sentia o ar gelado cortando ao seu redor enquanto caía. Havia se partido quando tinha chegado ao fosso.

Olhou para baixo através da janela e sentiu em si a vertigem dos picos. Estava bêbado, estava tonto. Estava furioso por ela ter ido embora. Entornou os últimos goles, direto da garrafa e viu-a se espatifar na calçada lá embaixo. Seria fácil, como cortar uma corda, como se entregar ao vento. Não se lembrava direito do acidente de carro. Os meses seguintes foram de passos curtos e eternas negativas. "Com um pouco de paciência, e muito esforço, o senhor poderá voltar a andar. Mas lamento, senhor, seu joelho está arruinado". Mas ele mostraria pra eles. Mostraria para ela.

Olhou para o alto e viu o pico sorrindo para ele. Um raio de sol, de promessas serenas. Era uma dama feroz, atraindo-o para a queda. Ele podia ficar onde estava, ninguém o culparia se ficasse onde estava. Já havia ido longe demais. Mas então ele sorriu de volta. Ainda não era tão velho a ponto de não desejar sentar-se no Trono de Deus.