Terça feira as sete

A porta, que permanecia entre aberta, abriu-se com um gemido doloroso, quase um lamento auspicioso inundando os medos em seu peito. Era uma terça feira comum, faltava pouco para as sete horas, o horário que havia prometido como dele. O horário em que os antigos demônios estariam de volta.

– Você tem que prometer! – Sua voz era um sussurro cansado do outro lado do telefone. – Tem que prometer que vai ficar na casa da sua mãe, nesta terça!

– É outra mulher, não é? – Ela enfureceu-se ao telefone. Arranhando a mobília com as longas unhas cor de carne. – Você é um tremendo filho da puta, Gustavo!

– Não, não é outra mulher! Presta atenção, é importante! Você não pode vir, promete para mim?

Ela não queria prometer, mas havia algo mais em sua voz. A semanas ele vinha definhando a olhos vistos, cada dia mais cansado, cada dia mais triste, como se algo estivesse sugando suas forças. Ela achou que pudesse ser o trabalho, mas agora, com aquele pedido, as dúvidas se alojavam em sua mente.

– Você está usando algum tipo de droga? – As palavras escaparam baixinho, para que as paredes não ouvissem o segredo, mas do outro lado do telefone, Gustavo apenas sorriu. Até o seu sorriso, outrora radiante e completo, parecia agora com a tosse de um moribundo. – Se for isso, eu posso ajudar...

– Não é nada disso, Mônica. Só promete para mim, vai dar tudo certo! – E Mônica prometeu. Sabe-se lá porquê, mas prometeu. E agora, quase as sete da terça feira, estava ali quebrando sua promessa.

Como tinha a chave da porta, não hesitou em fazer uso dela. Os passos silenciosos percorreram o corredor, enquanto vasculhava a tudo com os sentidos, em busca da menor evidência da presença de Gustavo. Nada havia, apenas um silêncio tenso que parecia alfinetá-la, como aquele zumbido nos ouvidos que nós não sabemos se é real ou imaginação. E um odor leve e profundo, como uma lembrança que apenas resvala nas margens de nossa memória. Mônica continuou sua busca, temendo o que quer que pudesse ver. Poderia virar as costas e ir embora, poderia ignorar aquele mistério todo e voltar para casa, esperar o telefonema de Gustavo e esquecer tudo isso. Mas não existe certeza mais intrínseca a história humana do que a curiosidade de uma mulher. Mônica aceitou o fardo de que a partir daquele dia, tudo mudaria e continuou em busca de Gustavo.

Seu relógio apitou as sete horas e ela prendeu a respiração, temendo ter sido ouvida. Esperou por um momento, qualquer prova de que fora descoberta, mas o silêncio ainda era completo. Então ela ouviu um gemido, algo baixo e reflexo que fora segurado antes de ganhar força nos ares. Mônica conheceria aquele gemido em qualquer lugar, já o ouvira em noites de comunhão carnal, onde as menores palavras eram sacrilégio. Gustavo a traía, o pensamento fez com que deixasse de lado toda a sutileza, atendendo a urgência da verdade.

Foi as pressas até o quarto e viu a porta entreaberta, mas não se deteve, empurrou-a com um estardalhaço, permitindo as dobradiças gemerem uma surpresa bem válida. Ao mesmo tempo em que abria a porta, com o dedo em riste pronta a apontar a infidelidade do amado, congelou-se sentindo os nervos partindo-se como vidro. Um grito agudo preencheu o mundo, arrastando com ele o que havia de sua sanidade e sua alma, pois nada que pudesse imaginar poderia se equiparar ao que acabava de ver diante de si, sobre o corpo nu do seu namorado, não a figura maldita de uma amante, mas a demoníaca forma de uma lembrança passada. A silhueta do diabo encarnado, montado sobre as próprias ancas, em álacre gozo.