MANIQUEÍSMO E BIPOLARISMO
 
Sei que está havendo muita controvérsia nas redes sociais sobre o passamento de Fidel Castro. Como não era de se esperar, as opiniões giram sempre na posição maniqueísta, ou seja, no pensar dualista.

O bem contra o mal.

Para quem defende o capitalismo como o sumo bem, o socialismo é o mal dos males. Ao contrário, para os socialistas, o capitalismo é o mal que está destruindo o mundo com devastações de florestas, extinção dos biomas, poluição do ar e das águas, com suas consequências nefastas, como o aquecimento global.

Este pensamento dualista sempre existiu, desde o profeta persa Mani (ou Manés) e as suas ideias sincréticas adotadas do zoroastrismo, do hinduísmo, do budismo, do judaísmo e do cristianismo.

Desse modo, Mani considerava Zoroastro, Buda e Jesus como "Os pais da Justiça", e pretendia, através de uma revelação divina, purificar e superar as mensagens individuais de cada um deles, anunciando uma verdade completa e unificada.

Conforme suas ideias, a fusão dos dois elementos primordiais, o reino da luz e o reino das trevas, teria originado o mundo material, este nosso universo, uma mistura do mal com o bem, mas sempre em disputa.

Para redimir os homens de sua existência imperfeita, os "pais da Justiça" haviam vindo à Terra, mas como a mensagem deles teria sido corrompida, veio enfim Mani, a fim de completar a missão deles, como o Paráclito prometido por Cristo, e trouxera segredos para a restauração da luz, apenas destinados aos eleitos que praticassem uma rigorosa vida ascética.

Os impuros, no máximo podiam vir a ser catecúmenos e ouvintes da mensagem pura, obrigados apenas à observância dos dez mandamentos e, ao morrerem, teriam outras oportunidades de se aperfeiçoarem pela reencarnação neste ou em outros dos incontáveis planetas do infinito universo.

"As ideias maniqueístas espalharam-se desde as fronteiras com a China até ao Norte d'África".

Mani acabou crucificado no final do século III, e os seus adeptos sofreram perseguições na Babilônia e no Império Romano, neste último, nomeadamente sob o Imperador Diocleciano e, posteriormente, pelos imperadores cristãos, cuja igreja já era a religião oficial do Império.

Apesar da igreja católica ter condenado esta doutrina maniqueísta, como herética, em diversos sínodos desde o século IV, ela permaneceu viva e praticante até à Idade Média. Só para lembrar, Santo Agostinho de Hipona, um dos maiores pais da igreja daquele século, era maniqueísta até se coverter ao cristianismo.

Embora o mundo ocidental tenha se tornado cristão e como "bons seguidores de Jesus", que pregava a paz e a comunhão fraterna, os europeus conquistaram e saqueram as antigas civilizações das três Américas. Roubaram  o ouro e a paz dos nativos, dobrando homens fortes e decentes, escravizando-os, dividindo e destruindo famílias, estuprando moças e crianças e sempre os explorando construíram as nações do norte e as demais da Amérida Latina. 

Assim o Brasil, a Argentina, o México, a Venezuela e as demais nações das Américas formaram-se à custa de muito sangue, suor e lágrimas.

Quanta escravidão! Inúmeras famílias de negros de origem africana divididas. O pai para uma fazenda, a mãe para outra, filhos e irmãos separados, conforme a escolha do rico proprietário de terras. Mas todos para o trabalho duro de sol a sol e com o chicote nas costas, acaso cansassem desse trabalho forçado.

Resumindo, surgiram para resistir a essas agressões e violências, ou melhor, às consequentes e contínuas injustiças dessa colonização criminosa, heróis como Simão Bolívar, Ernesto Che Guevara, Fidel Castro e, em nosso pequenino Brasil, Carlos Marighella e o desertor do Exército, Capitão Carlos Lamarca. Os dois últimos, nossos patrícios, foram mortos traiçoeiramente em emboscadas pelo regime sanguinolento militar.

É incrível que até hoje há quem defenda a volta da ditadura militar, assassina, torturadora e sangrenta, acreditando, idiotamente, que seria a salvação do Brasil. Essa gente remanescente do pensamento dualista do maniqueísmo pensa nestes termos:

- Você é contra o capitalismo? Então você é comunista.

- Você é contra o comunismo? Então você é capitalista.

Os idiotas que tem pensamento dualista, ou seja, maniqueísta, acreditando que no mundo só há duas alternativas, o bem ou mal, o certo ou o errado, o preto ou o branco, desconhecendo que entre os estremos sempre há uma infinidades de matizes de cores, de idéias, crenças, ideologias e diversidades de pensamentos.

Bastaria olharem para a natureza e enxergarem infinidades de cores, pássaros, peixes, árvores e arbustos, nuvens no alto dos céus, gatos e cachorros pretos, brancos, cinzentos, infinitos insetos multicores...

Será que Deus fez todas essas variedades e com infinitas matizes para que o ser humano reduzisse tudo apenas entre dois lados? O bom e o mau, o certo e o errado? O preto e o branco, o bonito e o feio? Como o mundo seria sem graça se apenas o canário cantasse! Desconheceríamos o canto do tangará, do pintassilgo e do sabiá, só para dar alguns exemplos.

Não, não, não acredito. "Há mais mistérios entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia." (Willianm Shakespeare).

Fidel Castro morreu? Graças a Deus. Um grande mal foi eliminado do mundo. Julgam-no por seus erros, que certamente existiram. Mas onde ficam os seus acertos? Não vem ao caso, julguemos-nos pelos seus pecados. Que vá para o inferno! Afinal, só existe dois lugares, como ensina o Maniqueísmo. O céu e o inferno.

Mas o que ensinava Jesus e a posterior cristandade?

Talvez quem sabe um purgatório, que acharam por bem inventar para extorquir dinheiro pago por missas rezadas àqueles que em suplício suplicavam rezas de seus parentes. Mas o que é certo mesmo, segundo os obtusos, é que há somente dois lugares, o céu e o inferno.

Só falta mesmo dizer o que não dizem por pura ignorância:

- Não somos cristãos e sim maniqueus. Somos ou não?

Quem sabe se tivessem um pingo de consciência, talvez respondessem:

"Não, não somos cristãos e tampouco irmãos. Então o que somos neste mundo tão confuso"?

- Ah, sim, descobri o que somos e estávamos procurando saber.

- O que tu és, amada?

- Primeiramente dize-me quem és tu?

- Eu sou eu e quem tu és?

Aí o cara pensa um pouco, enquanto cheira uns pós brancos, toma mais uma cervejinha e pega o violão e improvisa esta cansão. E sua namoradinha escuta de olhos arregalados.

“Sou um soldado incompreendido
Alistei-me para ir à guerra
E por inapetência fui despedido
Não sou digno de defender minha terra
Nosso país invadido
Pelo comunismo”.

- Corta essa, deixa de cinismo!

A menina de trança vem até o playboy, toma do copo de cerveja uns golinhos e pede outra canção, um pouco mais romântica e menos violenta, sem falar de soldados.

O cara dedilhou seu violão e cantarolou:

“Eu sou a sua face
Você é a minha cara
És uma joia rara
De valor, és uma dama,
Vamos depressa pra cama
Porque ninguém nos separa”.

Ela o abraçou e não deixou a canção terminar. Afinal, quem somos? Ambos se perguntaram numa só vez e voz.

Rolaram no tapete da sala e fizeram amor de fazer inveja.

- Huuummm...!, delícia, amor...!!!

- Eu quero possuir você e ninguém vai roubar você de mim.

- Não, não amor! Sou toda sua! Penetre-me! Possua-me, fode-me! Sou sua, sou toda sua.

Aquela foda foi pra valer.

- Amor, você está bem? Estou te achando tão quietinho...?

O cabra se revolveu no tapete e encarou a menina safadinha.

- Querida, você já ouviu falar de maniqueísmo?

- Não, amadinho.

Ela, a amadinha, subiu para cima do amante e lhe sufocou com seus beijos ardentes.

- Não, querida, assim você me mata sufocado. O que foi mesmo que lhe perguntei?

- Você me fez uma pergunta muito chata.

- Responda-me o que lhe perguntei, cuja pergunta nem me lembro mais.

Ela caiu num pranto copioso e ele se ergueu, perguntando-se:

- O que é isso meu bem? Porque choras?

Ela se agitou, rolou pelo tapete, pegou uma almofada, cobriu com ela seu rosto e chorou mais ainda. Chorou, chorou, soluçou a mais não poder.

- Por que choras tanto assim, lindinha? Será que choras por mim?

Ela se levantou soluçando, pegou as almofadas e foi jogando para todos os lados. Restou só o tapete e o amado nele deitado com os braços cruzados atrás da cabeça.

- Não vai se levantar?

- Não, enquanto não me disser o porquê deste seu choro incontrolável.

Ela mordeu os lábios e lhe argumentou:

- Você me explicou o que é maniqueísmo. Não entendi nada. Pois bem Somos ou não maniqueístas?

Sem tirar os braços cruzados atrás da nuca, sequer se mexer, nem se erguer do tapete, ele apenas lhe observou:

- Não somos maniqueístas pois que sou bipolar e você é histérica, o que dá no mesmo. Aliás, às vezes penso que somos os dois bipolares e histéricos.

- Será que é por isso que a gente se entende? - Perguntou a mocinha, ao que ele respondeu:

- Pensamos em termos dualistas, nossos pensamentos se entrecruzam e se conflitam e de alguma forma se harmonizam. Daí a razão de nossas brigas constantes e essa atração que não nos deixa separar.

 - Sim, mas para este problema ainda não achamos solução, - disse ela por sua vez. 

- Eu sou histérica e você biipolar...

Interrompendo-a, ele completou:

- Eu já sei que sou desequilibrado, mas você ainda não sabe.

Depois dessa conversa, ele se levantou, foi até à geladeira e voltou com uma cerveja na mão e perguntou a ela de supetão:

- Agora responda-me porque choras tanto?

Ela, em pé sobre o tapete da sala, alisou os seus cabelos negros, mordeu os lábios, olhou de um para outro lado e se saiu com esta:

- Não choro por você e nem por mais ninguém. Quer mesmo saber por quê e por quem estou chorando?

Ele tomou um gole da cerveja e se voltando para ela, apontou-lhe o dedo e disse:

- Diga.

Sem meias palavras ela lhe respondeu:

- Eu choro a morte de meu herói, FIDEL CASTRO.