TERROR NA BARRAGEM

TERROR NA BARRAGEM

Eu sou o demônio, sim,definitivamente só posso ser o próprio Lúcifer,pois não teria feito o que fiz se não o fosse;nada fiquei a devê-lo em maldade,visto que,a frieza na operação fúnebre,os detalhes do requinte macabro , a ânsia de comer carne humana e ,sobretudo, a perfeita e nítida consciência da vida e da morte, que mantenho sobre meus atos atrozes ,sem nenhum remorso ou compaixão,seria o suficiente para me entronar como o pior ,entre todos os mortais.

Carrego dentro de mim sentimentos terríveis de minha infância , labirinto de emoções entorpecidas,ódio embalsamado como um vulcão prestes a explodir.Existe uma voz interior que sai de minhas entranhas e me domina,não tenho forças para opô-la...Há tempos,a última vez que ousei rezar um padre-nosso,aquela voz cresceu nos meus ouvidos,ouvi sinos enlouquecidos,palavras terríveis,gritos ensandecidos,visões do inferno que não me deixaram terminar a prece.O mais terrível ,no entanto,tenho absoluta certeza,é que sou o filho de Satanás,sou um psicopata irrecuperável;somente a morte ou a clausura me impedirá de cometer novos crimes.

A minha conversa,me arrepia os cabelos quando confesso,só pode ser por inspiração demoníaca ,crio pensamentos e palavras não são minhas,não reconheço minha própria personalidade,não sei de onde vem um clima de sensualidade despretensiosa , de onde brota um humor contagiantemente sincero ,minha voz muda para um tom suave e embriagador como se eu fosse outra fêmea ,que convencem as meninas para uma seção de fotos--com a promessa de serem modelos--em um local ermo da barragem,afastado da cidade.

Assim foi com a ultima,semana passada :estava no pátio da feira,em frente ao bar da praça,quando me dirigi para ela.Meu coração disparou e fiquei gelado,como sempre acontecia antes de uma abordagem e nada me lembro depois,até subirmos a barragem .Naquele local isolado,entre paredes de concreto e a vista do rio,repeti o mesmo ritual dos outros crimes.Deixei-a relaxar completamente,a pobre desgraçada sorria e posava como uma estrela.Pediu-me o anel que trazia no dedo,mas achei estranho,não dei.Minha excitação aumentava a cada instante e no momento apropriado ataquei-a pelas costas e asfixiei-a fortemente com uma corda de nylon,sentindo sua vida esvair-se entre meus dedos,que ela agarrara fortemente ,quase quebrando-os..Então conduzi o seu corpo nos ombros por uma passagem secreta(fui peão barrageiro ,conheço todos os segredos do barragem ) que liga o local até a casa das máquinas,ambiente insalubre e solitário, local escuro e úmido ,tão úmido que parece chover permanentemente,onde só escuta-se o ronco colossal das águas movendo as turbinas,abaixo do nivel do rio.Os funcionários da Companhia só andam ali em caso de manutenção semestral ou grande avaria no equipamento.Dirigi-me lentamente com o fardo macabro para a primeira turbina aquela que os técnicos russos desativaram ,descendo para o seu interior,até atingir um piso estreito .Levantei com ajuda de uma alavanca,previamente escondida,a laje do túmulo,um bizarro sepulcro,uma espécie de nicho na base da turbina, onde jaziam outras vítimas e, exausto e estranhamente tranqüilo, arriei o cadáver sobre uma pilha de ossos,cabelos e cartilagens apodrecidas,sem me dar conta do espantoso mau cheiro que emanava do estranho mausoléu, mas desta vez não vedei a tampa ,simplesmente baixei-a .Voltei lá ,dois dias depois,e comi a carne putrefata .Confesso,espantado e trêmulo diante de tal absurdo,que estava deliciosa.

Como a polícia já estava desconfiada dos assassinatos e sucederam-se duas investigações malogradas e sem êxito, mas a população exigia justiça, falava-se até na vinda da Polícia Federal, resolvi pedir transferência da Campanhia para outro local ,na beira da praia ,longe daquele lugar, um tempo na capital me faria bem,respiraria as doces exalações do mar e ficaria mais longe das tentações do Anticristo ,quem sabe até pararia com aquelas atrocidades.Estava de fato decidido , determinado no meu objetivo,tão fixado no preparo da documentação,que nem soube quando os estrangeiros chegaram.Logo no outro dia os cossacos seguiram para a turbina com o firme propósito de reativá-la, e no ensaio de ondas magnetizadas,detectaram os cadáveres.Para espanto de todos,encontraram na mão hirta e mumificada da ultima vitima,o anel que a infeliz arrancara dos meus dedos,no momento do crime,com meu nome gravado .Horas depois, o telefone tocou ,

e sómente naquele exato instante dei por falta do anel e senti um calafrio que gelou todos os meus membros e congelou a minha alma. Atendi,pasmo e antõnito,era a voz do delegado...

zeca repentista