Beijo Venenoso

Era uma tarde agradável de um domingo de verão, e divertíamo-nos em torno de uma churrasqueira num dos parques da cidade, onde costumeiramente freqüentamos para espairecer e esquecer as agruras da metrópole.

Um braseiro fumegante assava nossas carnes sobre labaredas e fagulhas, enquanto um convidativo aroma irradiava-se no ar, despertando-nos a ânsia pela degustação; momento em que conduzíamo-nos à ingestão de deliciosos goles de cerveja, delicadamente acompanhados de prazerosas lambidas de beiços. A alegria fixava-se em cada semblante e nossos gestos registravam um imenso grau de contentamento. Éramos, momentaneamente, uma família festiva.

Papo vai e papo vem; uma brincadeira aqui e outra ali; e aquele inesquecível domingo transcorria, maravilhoso, entre ruidosas gargalhadas, o que nos deferia a mais intensa satisfação. O único transtorno, era, sem dúvida, a indesejável presença de desassossegadas abelhas, que insistentemente revoavam entre nós e sobre os nossos alimentos, o que nos deixava temerosos por um ataque inesperado.

– Elas não nos farão mal algum! – comentou alguém, acalmando-nos.

Atendendo a um pedido de minhas netas, adquiri alguns pirulitos de um vendedor ambulante, e as presenteei; o que foi, deveras, um prato cheio para as apetitosas abelhas que, às gulas, passaram a nos assediar incessantemente.

– Vô, me dá sua cacunda! – pediu-me uma das netas, querendo, dessa forma, se repor do cansaço, das peraltices e das, quase, incansáveis correrias.

– Tá bem, meu xodó! Monte aqui! – respondi me abaixando, enquanto ela, com uma das mãozinhas se agarrava ao meu pescoço e com a outra tentava desesperadamente proteger o seu pirulito que, involuntariamente, o esfregava em minha boca, repetidamente dizendo:

– Vô, guarda meu pirulito! Vô, guarda meu pirulito!

Não tendo escapatória, abri a boca e, deixei o doce entrar. Mas junto a ele veio também uma abelha que, sugando o açúcar do doce entrou boca adentro.

Aquele corpo estranho tirou-me todo tipo de ação.

O dito inseto, alvoroçando-se, parecia ter um volume descomunal e a nada deste mundo ele era comparável, senão, com galhos de árvore balançando-se ao vendaval, e, isto, em pleno céu da minha boca. Suas asas riscavam o palato com movimentos coceguentos, enquanto o ferrão se encravava profunda e dolorosamente em minha língua, inundando-a de veneno. Tive a sensação de estar bochechando um monstro enfurecido, e em poucos segundos minha boca quadruplicar de volume: o que me tirou o poder do tino e da fala. Eu apenas gesticulava, e todos riam sem nada entender. Achavam que eu fazia gracejos. Instintivamente joguei a netinha ao chão e, desesperadamente me pus a expulsar a invasora. Puxando com os dedos retirei a peçonhenta, porém, como dádiva, legou-me o seu ferrão bem introduzido em minha língua.

As pessoas que a tudo assistiam, em gozação me diziam:

Quer um espeto com carne assada? Uma cerveja gelada; um pirulito; um picolé; uma pipoca; um isso;um aquilo.

E eu, gemendo, e sem poder falar, lhes respondia gesticulando com as mãos: vão tudo pros quinto dos inferno.

Apagaram-se as brasas.

Derramaram-se os líquidos.

Deram as carnes para os cães e...

– Até o próximo! – disse alguém, tentando não me desanimar.

– Nunca mais! – respondi pra mim mesmo.

Voltei gemendo de dor e ódio.

José Pedreira da Cruz
Enviado por José Pedreira da Cruz em 15/10/2005
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