O OBSERVADOR

Luzes fugazes, o jovem casal acomodado no penúltimo degrau da escadaria da igreja troca tímidas carícias.
São estudantes de uma escola do período noturno que gazeiam as últimas aulas, geralmente as quartas e sextas-feiras para namorar.
Eles estão num momento muito difícil, pois ela carrega no ventre o fruto de um amor proibido.
São muito jovens, pré-adolescentes e ainda não contaram aos pais sobre a situação.
Eles tem muito  medo diante do imprevisível, da reação dos seus e da sociedade.
O local é ideal para  refletirem e tomarem  uma decisão: já pensaram até em aborto mas descartaram a hipótese pois já curtem o filho que em alguns meses nascerá,  com certeza já o aceitaram e irão enfrentar todas as dificuldades que dai advirão.
No local  ninguém os incomoda embora freqüentado por diversas tribos, turbas da pesada como a gangue do Pancadão  e a da Esquadrilha de fumaça, que ouvem músicas de diversos ritmos  predominando o pop rock e o sertanejo.
Há um mútuo respeito entre eles com raros casos de bate-boca ou de confrontos mais violentos, cada grupo marca o seu território.Estão por aqui para curtir, extravasar desejos, intoxicar-se de amor, álcool e drogas.
Menosprezam o patrimônio público e  religioso que já foi alvo de depredações. 
Pensam: a noite é uma criança, a vida é curta, objetivos futuros são para os caretas, e que se fodam as garis com a limpeza pelas manhãs.
 Os jovens  me fascinam e surpreendem: anjos e demônios a perambular pelas noites sombrias.
Observo-os constantemente do alto das torres da Matriz e constato a crescente degradação destas frágeis almas. 
Os odores da maconha e do crack contrastam com o aroma dos  incensos queimados na catedral.
Libertinos, inconseqüentes, rolam pelos gramados ao lado tentando repetir o sonho utópico que alguns de seus ídolos viveram em Woodstock.
A polícia em rondas noturnas não os incomoda, parece haver um acordo tácito entre eles: se não houver depredações não haverão abordagens.
O casal de enamorados  retira-se  antes da meia-noite, cabisbaixos, na consciência o fardo da irresponsável ignorância.
Ouço o badalar dos sinos e constato o correr da ampulheta célere à madrugada.
Nuvens plúmbeas cedem aos poucos espaços aos primeiros raios de sol.
Lentamente, quais Zumbis, os cambaleantes jovens deixam o  local, a maioria trôpega pelas calçadas, outros a acelerar suas possantes motos e carros.
Mais uma noite de vigília, das sombras eu os espreito constantemente.
As cenas se repetirão nas próximas noitadas.
Tréguas? ...só aos domingos de manhã quando a posse da escadaria é retomada pelos fiéis que se dirigem às missas das seis e nove horas.
Vejo poucos jovens entre eles.
A maioria silenciosa é de senhores e senhoras idosos e de algumas crianças que os acompanham.
Sobem lentamente os degraus, parando vez por outra para refazer o fôlego.
Ouço os primeiros acordes do órgão da igreja e o cântico do coral a entoar os Ângelus acompanhados por tímidas vozes dos fiéis assentados nos toscos bancos de madeira.
Os penitentes fazem fila diante dos confessionários onde decantarão suas impurezas e deslizes, aguardando do supremo representante da igreja a devida punição e o divino perdão.
Pausa... o silêncio quebrado pelos passos do homem de preto que se dirige à sacristia.
Breve tocar de sinetas.
O padre se paramenta, os cristãos ficam de pé e em harmonia todos se persignam.
O vozeirão do padre dá início a liturgia:”Pelo sinal da Santa Crua, livrai-nos Deus, Nosso Senhor, dos nosso inimigos. Amém!”
A seguir dirige-se ao púlpito solicitando à todos a sentar-se e ouvir a parábola dominical.
Entre rezas e cânticos alguns freqüentadores se compenetram, outros nem tanto.
A missa termina com a consagração e o troar dos sinos nas gigantescas torres.
Eles saem apressados espremendo-se entre as portas da igreja, semblantes de bons samaritanos a descer as escadarias ladeadas pelos painéis cerâmicos da Via Sacra.
Eu os conheço, a todos, a maioria gente de bem, mas alguns nem queiram saber...
Na praça em frente crianças se divertem correndo entre os labirintos dos canteiros floridos, os idosos descansam nos bancos coloridos de madeira e observam  o movimento dos carros e transeuntes.
Alguns camelôs postados nas imediações fazem a alegria da petizada vendendo balões coloridos, cata-ventos, pipocas, sorvetes e outras guloseimas.
Dos bares  o vozerio crescente dos fregueses que os freqüentam aos domingos.
Das casas próximas os aromas da comida típica e o som de um rádio a tocar velhas canções das terras de além-mar.
Após o meio-dia a cidade emudece quase por completa, retomando um ritmo mais lento a tardezinha.
O sol se põe, o domingo esmorece e minha missão continua por estas terras de Passaredo.
 
 

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http://www.jornalevolucao.com.br/noticias/5077/1/o-observador

Este conto faz parte da Antologia: "VIDA, MOTIVOS: DEGRAUS " lançado nas feiras do livro de São Bento do Sul, Rio Negrinho e Campo Alegre/SC.