Vazio

Olho o calendário e parece que o dia já está acabado. Mas não. Ainda faltam horas. Eu tento acreditar que existe o que chamam de futuro. Eu projeto. Eu vejo, imagino, penso no que poderia ser o melhor pra mim. Eu me engano. Procuro aceitar minha impotência mas sei que o que posso é só pensar. Pensar é o que me sobrou depois da realidade. Eu tento não aceitar, me esforço. Mas não há nada além de desejar. Desejar é o que me sobra.

Então me pego pensando nos que já não estão aqui. Nos que sabem. Me percebo insignificante diante do que não sei e apenas minhas perguntas ainda ressoam. O que me falta? Por que me sinto como que vazio?

Vazio...

É isso que sou?

Não. Não quero crer nisso. É demais pra o que quero acreditar. Vazio? Mas será que existe mesmo isso que acho que posso ser?

Desde quando me entendi, já faz tanto tempo, eu não sei o que quero de mim. Apenas quero, espero, entendo o que me cabe e sinto que ainda não. Ainda não sei. O que parece que me falta é algo que procuro assimilar mediante minha forçada noção. Desde quando me lembro do que sou? O que sinto que me falta? O que acredito ser vazio é o que receio ser o que sou?

Não quero mais perguntas. Cansei. Aceitei ser o que dizem ser o topo porque foi preciso que eu acreditasse. A verdade estava além e eu não compreenderia. Isso é o futuro? Ou será que acho que vi o que não devia? Existe o fim? Eu sei. É por isso que talvez ainda resista. Gostei de ser isso, mas ainda assim eu não estou pronto pra algo além. Por que a verdade tem que ser inaceitável? Mais uma pergunta e já não existe resposta suficiente. Sinto que querer demais é como não ter respostas. É algo desenfreado, algo fadado a se esmigalhar. Fadado a não saber.

Então aceito todas essas limitações, renego a parte em mim que clama pelo que não sei. Apenas sinto. Posso continuar e esperar que as coisas se encontrem. Mas o que é isso que ainda insiste em me tragar pra o lado de lá? Que posso fazer pra contornar essa fenda? Parece que só sei perguntar. Quero saber responder mas ainda olho a estrada. Se tirar os olhos dela será bem possível que enxergue o caminho, porque os olhos na estrada apenas me mostram um caminho que já existe, não o meu. Devo olhar pra o nada e nele estabelecer o caminho que melhor se valha desse meu vazio...

Vazio...

Viro a folha do calendário. Já penso estar no próximo dia, acredito estar controlando as coisas pois é sempre isso que tento. Mesmo que saiba que faltam horas pra um novo dia renego pensar que talvez não chegue a vive-lo. Eu sei que apenas acho que sei. Sinto fome, a fome de um homem normal. Procuro saciar o desejo de meu corpo mas nada faria esse vazio ser preenchido. O vazio se parece com a fome. Se encontro algum alimento sei que meu corpo se aliviará, mas como aliviar a falta? Existe uma maneira de extrair sumo de coisa alguma? Porque sei que isso preencheria esse vazio. Não quero dizer que ele é meu, não quero pensar que mesmo sendo o que sou ainda me falta o principal. Tive tudo que podia dentro do limite do alcançável e foi como não ter nada. Eu estive no caminho errado, por isso viro a folha. Pra que sinta que ainda posso poder.

Pareço estar mais calmo. Bem, não adianta querer forçar as coisas. Será inevitável. Quando? Vai-se saber. O que importa é que a Verdade virá e apenas quero estar preparado pra entender. Ao redor está Tudo. E sei que é isso que me confunde. Não adianta forçar, eu sei, mas muito se fez por não entender. Eu vejo a prisão. Não explico a prisão, eu a vejo. Isso que chamo de vazio na verdade é o que há de infinito em mim. A Vida, a verdadeira, é o que o homem nega. Ele escolhe a prisão quando poderia estar livre. Porque o vazio é o destino final, e também o ponto de partida. O vazio somos todos.

Abro as portas do armário e procuro algo para comer. Pães. Não sei de quando são mas eles acalmam esse corpo. Seria ótimo se tão pouco fosse suficiente pra acalmar a vida. Mastigo o pão e percebo que eu alimento essa forma que controlo há muito e seu fim ainda assim é inevitável. Então, qual o propósito? Mudança. Sim, há a mudança. Mudança constante. O vazio não é mudança. O Vazio é. Ele é de onde se parte e aonde se chega. Ao meu redor se despertam verdades que não se pode nada mais além de vive-las. É impossível saber. As profundezas a que se chega se houver o desejo real de saber deixam marcas da mesma forma profundas no restante da visão. Agora eu vejo. Vejo sentindo.

E os pensamentos ainda assim brotam. E a sensação que parece perseguir ainda está lá. Eu observo o mundo, admiro cada coisa ao alcance de minhas visões. Até quando? É o que me pergunto. Até quando verei isso? Sentirei isso? Não é como uma angústia, é mais como a aproximação constante de um vazio que se completará. É uma necessidade de entender enquanto existe tempo. Ao meu redor um mundo se pronuncia e me pede que o enfrente, que seja um pouco mais do que um lamento. Mas esse vazio é insistente. O mundo ainda assim não desiste e me pergunto, o que esse mundo pode me oferecer? Esse mundo? O meu mundo, minha visão. O que alcançarei se nela confiar? Os dias são lentos. Eu sempre viro a folha e planejo o próximo, o próximo que ainda nem tenho. Planejar os próximos é a terrível confirmação de que o que tenho me escapou. Eu não soube aproveitá-lo, talvez tenha esperado demais. Meu dia se passou mesmo que ainda hajam horas no sistema de marcação humano. O relógio me dá a percepção. Mas meu olhar me dá a profundidade.

Fecho os olhos. É assim que enxergo.

Deixo que o vazio que me atrai das profundezas de meu olhar me conduza e me mostre que o que penso não é nada porque ele é o que posso ser. Admitir não é vergonha porque o que penso não será resposta. Não pra isso. Pra que eu o entenda tenho que deixar que ele me seja. E que eu também o seja. É preciso voltar de onde nada havia antes que eu pudesse ser e então abrir os olhos. Olhar ao redor. Perceber. Sim. É disso que se trata. Olhar ao redor e se perguntar “Então, é isso?” Sim. É isso. Ao seu redor eis o que será e o que poderá ter. E ser. Vida. A única e garantida vida. Não há nada além do que há que possa me valer mais enquanto for o que sou. O vazio diz coisas e não quero me forçar a compreendê-las. Eu tento amenizar essa falta fazendo o que posso pra ver se isso cresce.

Isso que tenho e que no fim terminará sendo apenas o vazio...

Um grande e infinito vazio...

Vazio...

Edgar Lins
Enviado por Edgar Lins em 08/07/2017
Código do texto: T6049214
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