BRILHO DE COBIÇA

No relógio da matriz soou meia-noite. A atmosfera fria, pesada do inverno envolvia como mortalha a pequena cidade, onde todos dormiam. As ruas, desertas, eram sufocadas por espessa neblina, que dava ao cenário um ar desolador, misterioso. Alguns pássaros notívagos, vez ou outra, rasgavam o céu com seus chiados estridentes e seu farfalhar de asas lúgubre.

Na humilde choupana, ao final da rua principal, bruxuleava uma luz que de longe a custo podia ser distingüida. O homem para lá se dirigiu. Era alto, um pouco magro, carregava aos ombros pesado casaco de peles e à cabeça exibia uma cartola já gasta pelo uso. Sua expressão era serena; seu olhar demonstrava uma calma indefinida.

Parou à porta, deu dois toques, esperou. Lentamente, a porta se abriu e, do interior, um vulto, iluminado pela luz de uma vela, que trazia à mão, postou-se à soleira e, inquisitivo, perguntou:

– O que deseja, forasteiro? Não costumamos receber estranhos em nossa estalagem a esta hora da noite!

– Meu bom senhor – explicou-se, com sua voz aveludada, o homem do casaco de peles e da cartola surrada, enquanto fitava seu interlocutor no fundo dos olhos. – Venho de muito longe, viajei muitas léguas e, após percorrer intermináveis estradas, eis-me aqui à sua porta a implorar-lhe abrigo. Estou faminto, meu corpo verga-se de cansaço, há dois dias e duas noites que nada como, nem durmo ou descanso. Rogo-lhe que acolha-me, dando pernoite em sua morada. Se dinheiro for o caso, pago-lhe bem.

E, dizendo essas palavras, retirou do alforje algumas moedas de ouro, que cintilaram à luz do luar. Os olhos do estajadeiro também brilharam.

– Entre, meu bom homem! – disse o velho, com um sorriso estampado aos lábios. –A minha estalagem recebe os amigos de braços abertos!