Carta de um suicida

Prezado mundo,

Sim, eu me matei! E sei que ninguém chorou ... e se choraram não foi do jeito que eu queria que chorassem. Acho que nesse exato momento vocês estão chorando lágrimas de pedra. Cascatas de pedregulhos caem dos olhos de vocês.

Matei-me porque não aguentava mais sentir-me como uma mentira ambulante. Sempre fui uma mentira consciente. Morri porque a pior coisa que uma pessoa pode sentir é aquela de ser atravessada por uma sensação de tempo perdido.

A forma que eu escolhi para morrer não importa muito. Poderia suicidar-me até jogando-me do alto de um avião, mas prefiro essa, pois sei que irá sair em um canto qualquer da última página do jornal.

Não se perguntem porque eu fiz isso. Acredito que é por estar sentindo-me vazio, um mascarado que se distanciou de si mesmo. Talvez vocês se perguntem porque a minha morte chegou da forma como chegou. Ora, somos incompletos, não somos Deuses.

Não pensem que foi um ato impensado, produto de alguma patologia. Não, não foi nada disso. Foi um ato lógico, digno de mim, pensado e pesado em uma balança racional. Morro porque quero ser igual a vocês. Não nego isso. Queria ser meio louco como vocês, sofrer por coisas banais, curtir uma música pensando em alguém, sair sem rumo por aí, rir das menores bobagens. Eu nunca consegui isso. Acho que fui um tolo, mas agora é tarde, pois eu já estou morto.

Uma pedra era como eu me sentia. Uma pedra em uma estrada deserta por onde ninguém passa. Ninguém vai chutar a pedra. Eu, a pedra, gostaria de ser chutado, pois assim eu me sentiria útil para alguma coisa.

Vocês que estão vivos sempre falavam que a luz estava no fim do túnel. Eu não via nem o túnel quanto mais a luz. Gostaria de escrever mais, de dizer coisas que talvez fossem importantes. De que adiantaria? Os mortos não precisam mais gritar. E por não saber gritar eu desci aos infernos.

Jota Alves
Enviado por Jota Alves em 27/02/2018
Reeditado em 01/03/2018
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