Cicinha Batista

A tarde caía. Molemente. Pressa pra quê, pra três ou quatro de nós, reunidos ali, com papai e mamãe, à frentinha de nossa porta sob o majestoso sabugueiro...Eles sentados em cadeiras de tabuinhas, nós na faina pra lá e pra cá, e como era antes do banho, espalhados pelo chão batido, com algum brinquedo entretidos... Embora raras, aquelas ocasiões nos eram tão caras...

E aí, sem mais nem mais ou menos, passou Cicinha Batista, filha mais velha de Narcisa e Zé Batista, os vizinhos de cerca de vovó, que morava noutra rua, cumprimentou e convidada, conosco assentou em cadeira que lhe fora trazida tão logo o convite aceitou.

Usava uma blusa clara e uma saia aparentemente de casemira, traje um tanto formal para uma também operária da fábrica de tecidos. Na idade de namorar, o certo é que fazia hora no aguardo de algum momento romântico.

Enquanto proseava, cruzou as pernas, alvas que eram, e diante daquelas formas que meus sete anos jamais haviam testemunhado, desinteressei-me de imediato do carrinho de carretel que antes havia até sulcado o chão bruto... Se existe êxtase infantil, foi o que, ainda que breve, experimentei, sem ao menos ser notado.

Mais tarde, com a cambada toda banhada, jantada, já na sala, papai, como de hábito, puxou o terço que era -sem televisão e só com a Hora do Brasil em todo o espectro do rádio Philips - o passo final para o quarto.

Naquela noitinha, a reza me pareceu mais longa do que o usual, mas ao cabo passadas Ladainha e Salve-Rainha, chegou às intenções, que eram mais breves do que as da casa de vovó, que sempre incluíam a Ave-Maria pela alma do Getúlio Vargas, o pai dos pobres.

À noite, minha ansiedade se foi só quando tropecei e me lambuzei nas jaculórias…mas foi a glória…que nem conta sua história…

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 07/03/2018
Reeditado em 10/03/2022
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