O Vinho do Porto é Transmontano...


Citação ideológica;... O vinho é a melhor bebida  do Mundo Cristão!... E,  por antologia de “juris consult”,  o Vinho do  Porto, na verdade é dos Transmontanos, é dos Durienses, é dos Imigrantes Anglicanos, etc e tal, e coisa. O Vinho é a bebida preferida dos humanos, e por análoga ideologia é  dos Baco-Romanos mas, sobretudo é a bebida preferida dos CATÓLICOS desde que não seja “baptizado”!...Em Portugal se diz que o vinho misturado ou baptizado com água, não é lá muito “Católico” (Fim de Citação)
"Das Videiras ao Lagar", um Conto Insólito de
Silvino Dos Santos Potêncio - Emigrante Transmontano em Natal/Brasil. 

 
  Aldeia  de Caravelas de Mirandela, (“esta é a ditosa Terra minha amada”  para onde este Português, Emigrante desconhecido, pretende um dia, se Deus quisér, para sempre Imigrar!) lá pelos idos de setembro/outubro de 1956, dia de sábado à tarde, uns dias antes do verão de São Martinho, (**) ali perto do lagar d’azeite que naquele dia estava cheio d’ubas  trazidas nos cestos em cima da rodilha da cabeça das mulheres que nos ajudaram a vindimá-las lá no alto das “curriças” escutava-se esta ® “CATRAMONZELADA”!   
- A  ‘nha mãe tirou a rodilha da cabeça e virou-se p’ra mim;
-  anda,  bai,... bai lá labar os pés mou filho que temos que fazer o binho!,
-           oh.... mãe! ... Ou  Num preciso de “ labar” os pés não!...
-   olhe cou aaté me labei todo no berão!
Olhe  c’até incontrei auga lá no ribeiro do cóbo,...

- quando andei lá a guardar os cordeiros.
Olhe c’o diga o Ti Manel da Freixedinha, que vinha da Freixeda com a Mala-Posta do correio e me viu lá todo despido in  pêlo!
...Olhe c’até vimos um lobo lá do alto dos Tojais, acredita?
-  um lobo do tamanho dum burro no berão c’o aquele calor todo?
-   Éhhh ... éeee ... e eu labei-me todo aaté ó cabelo!
Tá bem,  tá bem.... mas num bais p’ró lagar sem labar os pés senão não te deixo entrar no lagar, nem na “dorna”!.  
Então de repente!...
Não mais que de repente, eu estava lá,  encavalitado na borda do lagar, a ver os meus irmãos mais velhos c’oas calças arregaçadas até às coxas, ali!... feitos uns soldadinhos de chumbo a marchar sem sair do lugar.
- Olha pija mais p’raqui c’os pés qu’estas inda estão duras,....
-  vai mais p’ra lá... tu qu’és mais alto e tu fica aqui nesta parte que já está quase boa,...
-  lá iam axim a pijar e a oubir o  falar do mais bélho.
- Quando a ‘nha mãe xigou c’oa merenda, eles merendaram e continuaram ali a “pijar” as ubas, até que eu “xiguei”.
- ó tu, xai daí que tu tombas-te! ...
  E eu!!!...  Catrapumba!... -  Foi só ele acabar de falar,  desequilibrei-me  e Catrapumba!...
-  tombei mesmo!, mergulhei e fui bater c’oa cabeça  lá no fundo do tanque do lagar!.
-  oops,...glup, aaaahgr, oops,...glup…
- eu engolia o sumo das uvas,   e a ‘nha Mãe gritava!
--- pega aí o garoto ó tu!
-  Que nada!... eles ficaram lá foi a rir e a marchar  e...prontos.
 P’ra mim foi uma eternidade, p’ra eles foi só o tempo de repente, que a minha mãe aflita correu em volta do tanque do lagar, e me puxou pelas orelhas cá p’ra fora!.
Literalmente, ela me puxou “ pelas orelhas” não para me castigar com o imaginário “puxão de orelhas”,   mas sim para não me deixar afogar no vinho!...
Até porque, quando me puz em pé,  a ponta da cabeça foi única coisa que ficou de fora do vinho e das uvas já amassadas (pijadas),  quando me virei para cima.
-  Afinal eu nem tinha ainda os oito anos feitos e já tomava vinho até à raiz dos cabelos!
- com o vinho eu  labei os pés e as mãos, e tudo mais que se pode imaginar.
Fiquei com uma raiva tão grande que passei os próximos 20 e tal  anos da minha vida sem o beber.
- Nem mesmo quando eu tinha que o atender aos Fregueses lá no Bairro da Buraca, ali atrás  da Serra do Monsanto em Lisboa,  na Taverna do meu Primo, onde fui Marçano antes de Emigrar p’ra Angola;
--alguns Fregueses chegavam lá  já “meio-grogues”,  aos berros,  e do meio da rua gritavam!
- Ó páaaa... sai um copo de três!...
-  é branco ou tinto? (eu perguntava p’ra chatear)
-  tanto faz páaa, bota aí bota... é tudo p’ra vomitar, ah ah ah... respondiam  alguns, os mais meio-grogues!!.
- Ah, ah, ah,.... uma ova!... (pensava eu cá comigo)  quando caí dentro do lagar, eu era  tão pequeno que não chegava ainda à superfície do lagar. Os meus irmãos já estavam lá a pisar as uvas desde manhã! ...
-  acho que eles também já estavam era “meio-grogues”!...  também!,...  pelo cheiro das uvas “pijadas” ali debaixo do nariz durante horas, e não era p’ra menos!...
Hoje eu penso que nem se deram conta que eu estava lá  encavalitado antes de tombar p’ra dentro do tanque.
-  Se não fosse a Ti Julheta correr p’ra me puxar pelas orelhas eu ficava era lá no,  oops,...glup, aaaahgr, oops,...glup,...   até o Deus  Baco acordar lá no Olimpo que é e era, naquele tempo, o das vindimas...
Tempos  de um Outono já tão distante  que me deixa tantas saudades.    
Epáaaa, aquilo é que foi uma safra apurada, tipo “parreira (não o do futebol) de meia encosta”, eu não fui só de encosta,... Eu fui mesmo é bater c’os costados todos lá dentro do lagar!
--- Vinho?.... Naquele tempo não era nada do que vemos hoje aí pela estranja.
- Às vezes, quando entro nos restaurantes e me sento na mesa , até mesmo em “Trás-os-Montes”,  pronto!,...
-   lá vem logo o “sommellier”   metido à “avec” com uma “capa de livro” na mão e quando a gente a abre!... vêem-se logo estes nomes todos “pimpões” !
(*) Messieurs/dames.... nous avons d’   Hermitage, Pinot Blanc, Paul Blanck, Pinot Noir,  Chardonnay, Casa Lapostolle, Shiraz, Rosemount, Qta. Casal de Loivos, Douro, Geyser Peack, Meritage, Piriquita...(ai ai a Piriquita!) a Porca de Murça!...
E tem  até o “demi-sec 1937 Blanc du Loire”,  um vinho que o Manel Tendeiro me pagou lá em Paris no restaurante à  saída da Gare de “Austerlitz” em Agosto de 1972 quando cheguei à cidade dos Bidon Ville pela primeira vez!...
- Nos dias de hoje,  O “sommellier”  leva a “carta de vinhos”  de volta, dentro da “capa de livro chamado MENU” e eu fico ali a lembrar-me de tudo isto , etc e tal e coisa !
Ao recordar esta história eu lembrei-me de escrever esta  ® “CATRAMONZELADA”   em homenagem ao saudoso Miguel Torga!.
- O Escritor que nos deixou faz agora alguns anos!... ele sabia tudo da nossa terrinha. 
Aquilo é que era um escrivinhador de gema!...
Não sei porquê ele nunca se lembrou de usar a “tremonzela” para mostrar tudo que sabia.  
- Ele conhecia como ninguém o  “homem de trás-os-montes”, (e as mulheres também, no bom sentido claro!)  era tão empedernido e cheio de cultura e Antropologia Transmontana sobre o vinho,  que nem eu, que fiquei ali todo encharcado, todo molhado,  cheio de vinho por todo o lado quando saí do lagar!
- E lembrei-me dele (do Miguel Torga) também uns dez anos depois desta minha grande ® “CATRAMONZELADA”    e de me “baptizar “ a mim mesmo no tanque do vinho!
E  eu me lembrei dele,  quando corria o ano de 1966 ...início das matrículas do ano escolar em Angola,  quando eu comprei a  minha primeira “capa de livros” (tinha a gravura do Mestre Miguel Torga gravada em couro na parte superior).
Quantas vezes a usei antes e depois de aprender a corrigir algumas destas expressões idiomáticas escritas aqui, que são típicamente transmontanas, na sua forma original e pura.
Que bom que é lembrar de trocar o “v” pelo “b”, que bom que é simplificar a maneira de falar com palavras pela metade...
E,  que bom que é lembrar o Mestre Pensador Transmontano, que... certamente tem um  lugar especial lá onde se encontra e hoje é homenageado aqui no  lenga-lenga deste Emigrante metido a “escrevinhador” de ® “CATRAMONZELADAS LITERÁRIAS” .
 
(Texto extraído do Livro “Crônicas da Emigração – Catramonzeladas Literárias”)
Autor: Silvino Potêncio
 
Silvino Potêncio
Enviado por Silvino Potêncio em 10/04/2018
Reeditado em 17/06/2018
Código do texto: T6304831
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