Três bilhetes

O restaurante era esse famosinho do shopping Caminhada. Meu chefe havia marcado o encontro para às 14:30h. Mas era um encontro de negócios e por isso eu estava nervosa e bastante agitada. Minhas mãos tremiam e meus lábios, de sorriso sem graça, estavam pálidos e tão secos que davam pena. O batom sequer escondia a minha situação.

Eu cheguei às 14:10h, pedi uma mesa para dois, olhei o cardápio depressa e escolhi um suco natural de laranja. A moça que me atendeu foi tão educada! Era novinha, devia ter uns dezoito ou dezenove anos. Senti uma baita inveja, pela idade, claro, mas muito mais pela serenidade no seu rosto. Parecia não ter uma preocupação sequer. Há um tempo largo eu tinha dezoito e já estava atulhada de preocupação.

Recuperei-me do devaneio quando enfim o suco chegou. Agradeci à mocinha e ela voltou ao seu posto com um sorriso cordial. E eu retornei a minha realidade e só conseguia pensar e especular o motivo daquela reunião. Eu seria promovida? Demitida? Eu mordia meus lábios e arrancava as pelezinhas com os caninos, enquanto estalava os dedos até mesmo quando não podiam mais ser estalados. Meu nervosismo estava sem controle. Quando não muito tarde, o copo de suco virou-se sobre a mesa.

— A senhora parece agitada — reapareceu a mocinha com um pano na mão. —, pode deixar que eu limpo. Ah, o homem pediu pra entregar isso pra senhora. — estendeu um pequeno pedaço de papel dobrado ao meio.

Puxei a cadeira para trás e deixei a moça limpar a mesa. Desculpei-me dezenas de vezes. Só então dei atenção ao papel. E quando o abri, li apenas duas palavras, em letras bonitas escrita à caneta preta: Três bilhetes.

— Que homem pediu pra você me entregar esse papel? — perguntei intrigada.

— Foi um homem. Não sei ao certo. Ele passou aqui ontem e disse para eu entregar hoje a essa hora mais ou menos. Descreveu a senhora e tudo. Eu fiquei meio sem entender, mas ele pagou cem reais e eu aceitei. Se for algo ruim, peço milhões de desculpas…

— Não, não é nada. Pode trazer outro suco, por favor?

Meu semblante passou de nervosa à curiosa em questão de segundo. Claro que eu não havia entendido o bilhete. Eram duas palavras que não faziam o menor sentido para mim: Três bilhetes. Na minha cabeça a ideia de ser uma pegadinha do meu chefe martelava sem parar. Mas qual seria o motivo? Para você que não o conhece, meu chefe é jovem mas é sisudo como um velho. Em sete anos que trabalho em sua empresa, nunca o vi sorrindo ou fazendo algum tipo de brincadeira. Parecia algo impossível.

— Aqui está o suco, senhora. E, se não for ficar brava, preciso lhe entregar… — estendeu novamente a mão e me apontou outro pequeno pedaço de papel dobrado ao meio.

— Moça, isso já tá ficando estranho — disse eu, já nervosa e não por ansiedade. — Foi o mesmo homem? Que homem foi esse? Disse nome ou alguma coisa? Ele tá aqui agora?

A pobre da moça, que nada tinha a ver com os bilhetes, descontrolou-se toda. Gaguejou e repetiu as mesmas informações que antes já tinha me passado. E, conferindo o lugar, acrescentou dizendo que o homem não estava ali.

— Que brincadeira mais sem graça. — minha voz saiu alta, rude e sem ponderação.

Algumas pessoas que estavam no restaurante me olharam. Eu não dei a mínima. Abri o papel e li: Não fique nervosa, ainda falta um.

Fosse brincadeira ou fosse algo sério, a questão é que eu não estava entendendo e nem me divertindo. Amassei o papel e joguei-o dentro da bolsa. Então comecei a encarar as pessoas em seus pratos, copos e conversas. E todos me pareciam suspeitos. Um senhorzinho com uma menina novinha; um homem sozinho, que retribuiu a encarada de forma grosseira, como a minha; um outro homem, acompanhado de uma mulher e uma criança. Poderia ser qualquer um ou nenhum deles.

Olhei o relógio, 14:55h. Quando ameacei pegar o celular, meu chefe apontou na entrada do restaurante. Aproximou-se em seus passos fortes e imponentes.

— Desculpe a demora.

— Não foi nada. — voltei a ficar nervosa com a presença do chefe. Engoli em seco.

Sentou-se.

— Bem, eu te chamei aqui porque tenho que conversar algo sério. Sério mas muito bom. Talvez alguém fique triste, mas com certeza é algo bom.

Eu já estava explodindo de curiosidade quando a mocinha surgiu novamente e entregou o cardápio ao meu chefe, que, sem olhar o menú, pediu uma dose de conhaque e o pãozinho da casa.

A mocinha prestava a devida atenção ao pedido, mas com um braço abaixado, por debaixo da mesa cutucou a minha perna. Eu assustei, mas me contive. Entregando naturalidade e sorriso, passei a mão pela mão da mocinha e intrigantemente ela me passou outro papel. Meus ombros caíram. Então ela se retirou. Meu chefe retomou a sua fala mas eu estava tão “não sei como” que não o ouvi. Com as mãos entre as pernas, abri o bilhete. Engoli em seco. Tentando não ser mal educada, concordava com a cabeça para tudo que meu chefe dizia.

Quando a mocinha chegou com o conhaque e o pãozinho, tive a oportunidade perfeita. Abaixei os olhos e entreguei-me ao bilhete, escrito em letras bonitas e à caneta preta. Estava escrito apenas: Fim do conto.

Hugo LC
Enviado por Hugo LC em 24/04/2018
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