A Chave

Acordou pela manhã em seu quarto e sentiu o acre perfume das amoreiras, era enfim primavera. Estava doida para descer ao jardim e contemplar as amoreiras e as sempre-vivas e respirar o ar puro. Correu até a porta, mas as chaves não estavam nela – claro quem deixa as chaves na porta enquanto dorme?!??! Somente descuidados e idiotas. Acorreu ao porta chaves do corredor e nada, não havia chave nenhuma. Aquilo lhe intrigou, mas já que estava no corredor resolveu procurar na sala que ficava ao final dele. A sala estava estupendamente linda, a luz do sol entrava pelas fresta da cortina de renda branca, iluminava todo o ambiente, será fácil procurar pensou. Começou procurando em cima da estante de livros, havia vários objetos antigos em cima desta estante procurou entre eles, puxou uma cadeira de imbuia de pernas torneadas e espaldar alta encimado por uma rosa esculpida, subiu nela para olhar melhor em cima da estante e nada, nadinha da chave. Olhou então sobre o aparador nada, abriu as três gavetinhas do aparador na ânsia de encontrar a chave, nada. Onde estaria? Resolveu procurar no escritório, o ambiente do escritório contrastava fortemente com o restante da sala, uma escrivaninha moderna com um notebook em cima, uma cadeira giratória e um armário de metal com quatro gavetas desses para pastas suspensas. Olho em primeiro lugar na escrivaninha, abriu a pequena gaveta e nada. Olhou então gaveta a gaveta, pasta a pasta do arquivo – lugar estranho para procurar uma chave pensou consigo – novamente nada. Como a janela estava aberta, olhou para baixo e viu a rua deserta, estranhou era uma rua do centro dificilmente ficava vazia, seria domingo?!?!?! Lembrou-se da missão de procurar as chaves e retornou ao próprio quarto olhou os lençóis brancos com acabamento de rendas a cortina balouçando ao vento e olhou nas gavetinhas do criado mudo, nada de chave. Passou a sala de jantar, esta era ricamente ornada com móveis austeros e escuros: cristaleira, bar, etajer e mesa. Olhou sobre a mesa apenas o caminho de bilros portugueses – presente da avó – e o candelabro de prata que lhe serviam de adorno estava sobre ela. Olhou em cima da cristaleira e nada, sobre o bar havia apenas a velha bandeja de prata com seis copos bico de jaca em cristal e a garrafa do mesmo conjunto com um whisky barato dentro – os caros ficavam guardados dentro do bar – nada de chave. Olhou na etajer e apenas os porta retratos com fotos antigas, as fotos olhavam para ela e do meio das fotos um rosto se destacou, olhava-a inquisidoramente e a assustou. Lentamente ela se lembrou dele, como de lembrança que fazemos força para trazer a mente depois de muito esconder de nós mesmos. Sim ele. Ela podia se lembrar agora, a dor já havia passado – ledo engano: a verdade então a atingiu como um raio - fora a ele que entregara a chave. E agora? Ele não mais voltaria, ela sabia que não voltaria. Jogou-se no chão da sala em um frenesi, liberando a raiva contida de anos, chorava, soluçava, gritava enquanto o pijama de seda branca limpava a poeira do chão da sala...