A EXPLICAÇÃO DO ABANDONO PELAS FRUTAS DO MAL

Prólogo

Não sou e nunca serei leviano! Ao escrever este texto não busco tripudiar ante a miséria alheia, mas contar uma saga triste e medonha para tornar espertos os pais, mães e/ou filhos e filhas, às vezes, desidiosos e inconsequentes.

Embora este escrito seja ficcional, em pequenos detalhes que a arte epistolar permite, os personagens desta história são reais, com os nomes trocados por razões óbvias e se igualam às centenas de milhões de famílias compostas por pessoas simples, irresponsáveis, grosseiras, incultas por esse Brasil afora.

Todos temos defeitos (não sou exceção), somos humanos, às vezes, desumanos; temos algo em comum como por exemplo as paixões pela carne na representação do prazer (luxúria), a vingança ou danosa vindita, o rancor estribado na ignorância sem linde, a vaidade nigérrima sob o escudo da conveniência social (hipocrisia), o brilho nos olhos, fosco e fugaz, quase imperceptível, quando somos contrariados.

Quando não se tem amor-próprio, quando não se é responsável, quando não se tem zelo pela unicidade familiar é mais fácil culpar os outros pelos nossos fracassos. Quem assim procede planta mal e colherá, sem nenhuma dúvida: AS FRUTAS DO MAL.

AS FRUTAS DO MAL

A leitora amiga se considera uma pessoa carente? Que não teve afeto suficiente na infância? Que foi abandonada, rejeitada ou não recebeu a atenção que merecia quando mais precisava? Você não é única nesse mundão dos abandonados! Essa carência afetiva vivida por crianças e adolescentes é chamada síndrome do abandono e traz consequências preocupantes para a vida adulta.

Por falta de amor e carinho muitas pessoas estão recorrendo, quando podem e têm dinheiro, a tratamento psicológico. Conheço lindas mulheres, filhas de um pai desidioso, que depois de apenas cinco minutos de conversa demonstram total desconexão com a realidade. São desequilibradas!

Esse pai nada brioso, desalmada criatura, que não se importou com suas filhas na infância, dando-lhes mal e parcamente o que comer e beber, sem se preocupar com seus desenvolvimentos e competências socioemocionais, negligenciando as obrigações paternas, esqueceu que o mundo dá muitas voltas e que a lei do retorno é implacável.

O resultado? Hoje as filhas outrora crianças inocentes são adultas rebeldes, rancorosas, desrespeitosas, ressentidas, mal-educadas; sem nenhum traquejo social, sem autoconhecimento, consciência social, capacidade de resolver conflitos etc. e com excessos de manias e tiques nervosos.

Claro que o artigo 229 da Constituição Federal Brasileira norteia a responsabilidade civil por abandono afetivo. Mas, será que isso resolve o problema depois do mal consumado? Não. Em absoluto!

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

Uma mãe ou um pai que não supre seu filho (a) com amor, dedicação, carinho, cuidados, palavras de afeto, toque físico, não poderá proporcionar a ele (a) um futuro de qualidade, pois essa criança provavelmente crescerá com baixa autoestima, tímida e temperamental, podendo, inclusive, apresentar ao longo de sua vida episódios depressivos.

O TELEFONEMA INUSITADO

09h:38min – 08/12/2018. O sábado amanheceu abafado. Era evidente que igual aos dias anteriores o calor seria abrasador. Estava eu em minha residência quando o celular, às 16h:15min, tocou e vibrou suave. Despertei de minha modorra, apatia ou indolência. Atendi e do outro lado uma voz sumida, masculina, calma, disse:

“Professor Wilson? Meu nome é Fernando Trigueiro. Tenho uma história para lhe contar e gostaria de saber se está interessado em eu lhe fazer uma visita em sua casa ou onde o senhor quiser para conversarmos. Não tomarei mais do que duas horas do seu precioso tempo e faço questão de lhe pagar se o senhor publicar minha saga, em forma de um conto, no Recanto das Letras.”.

Curioso, mais pelo inusitado do diálogo do que pela possibilidade de ganhar alguns reais e de lucro escrever uma boa narração, forneci meu endereço, chequei as câmeras, gravador, armas e munições. Solicitei que não viesse acompanhado de ninguém alegando discrição, mas em verdade eu estava me protegendo contra possíveis assaltos e agressões.

Nos tempos de hoje cautela nunca é demais. Respondi que poderia chegar em minha casa depois das 17h:30min até às 19h:00min. Às 17h:55min o senhor Fernando tocou o interfone e para minha tranquilidade aparentava ser mais idoso do que eu, estava só e sem nenhum embrulho nas mãos.

Trajando um elegante social fino, Fernando também usava um bonito par de sapatos de couro de crocodilo. Seu relógio parecia ser um daqueles que controlam pressão sanguínea entre outros controles das atividades corporais.

A HISTÓRIA QUE EU OUVI

Sem as devidas cautelas e/ou preparos financeiros e emocionais Renato e Analu se casaram em 1989. Depois do malfadado casamento mudaram-se para uma casa que pertencia ao irmão Fernando o mais experiente da família Trigueiro.

Renato trabalhava em uma concessionária de automóveis e Analu resolveu se dedicar a um curso de enfermagem para melhor cuidar de sua prole – o casal tinha três lindas filhas –. Já depois do nascimento da primeira filha, após um tempo, Analu começa a ser atormentada por fantasmas e acontecimentos estranhos na casa.

Além disso, Renato começa a mudar de comportamento, preocupando-a. Agressividade e rancor eram as modificações mais acentuadas do marido tosco não apenas pelo pouco estudo, mas sobretudo pelas influências malignas – segundo o senhor Fernando – que se acercavam da jovem e linda esposa Analu.

Àquela época não se sabia a real causa dos descontroles emocionais do casal. Certa ocasião uma sensitiva médium, convidada a visitar a família simples, descobre e informa que há uma antiga maldição na casa e Renato seria a última vítima.

O NAMORO E O MALFADADO CASAMENTO

Analu e Renato se conheceram em um templo religioso, atualmente inexistente, de nome "Igreja Universal do Reino de Deus" situado na Rua Getúlio Vargas, Centro, em Campina Grande, PB. O namoro foi conturbado porque os que se diziam apaixonados eram possessivos e já àquela época (1987/1989) os futuros nubentes apresentavam sinais de desequilíbrios emocionais.

Antes de conhecer Renato Analu, com vinte e cinco anos, já não era virgem. Pressionada pelos pais violentos, grosseiros e ignorantes ao extremo a mulher loira de olhos verde-claros precisava urgentemente sair de casa e assumir seu nefasto destino, isto é, viver sob o jugo de um homem fisicamente saudável só na aparência.

Após o nascimento da primeira filha as agressões verbais progrediram para as vias de fato. Xingamentos, comida lançada às paredes e desrespeitos mútuos cresceram como uma progressão geométrica de considerável razão. Foi nesse clima de terror e desrespeitos crescentes que nasceram as duas filhas seguintes.

Não raras eram as noites que as filhas de menoridade (7, 5 e 4 anos respectivamente) acordavam com os gritos de ameaça de morte de toda a família e suicídio do pai animalizado pela psicopatia a olhos vistos, mas ainda não diagnosticada por especialista.

O ABANDONO DA FAMÍLIA

No ano de 1997 Fernando, o irmão mais velho de Renato, que residia na cidade do Rio de Janeiro, no bairro do Leme, interveio na relação. Comprou a passagem do mano e assim daria um alívio a Analu (Esposa de Renato) e as três filhas. Vida sofrida assim como as tempestades pode acontecer depressa porque faz parte da natureza. Conquistas e conhecimentos quase sempre chegam devagar.

Esse era apenas um dos ensinamentos passados pelo irmão de Renato. Tudo em vão! Grosseiro, boçal ao extremo, Renato considerava esse e outros conselhos como sendo “resenhas”, embromação, conversa fiada ou “blá”, “blá”, “blá”.

O tempo passou depressa. Entre os anos de 1997 e 2018 Renato voltou algumas vezes à cidade de Campina Grande, mas com pouco dinheiro, nunca conseguia suprir as necessidades básicas (material de higiene e outros), como de tantas mocinhas adolescentes de suas idades. Tudo isso somado às brigas com a esposa Analu sempre culminava com um apressado regresso ao Rio de Janeiro para continuar a ser explorado em subempregos sem carteira de trabalho assinada.

Depois de vinte e dois longos anos, desempregado, abatido e abstido; com o rosto escanifrado e o abdômen vultuoso, excluído socialmente, Renato agora com sessenta anos, resolveu voltar para Campina Grande, PB, com "uma mão na frente e outra atrás".

Em sua simples bagagem de mão conduzia roupas surradas, um par de tênis velho, CDs de músicas ultrapassadas e DVDs de filmes pirateados. Mas em sua mente obstada existia o devaneio extremado de que seria apoiado, abrigado e alimentado pelas filhas. Ledo engano por falta de uma visão crítica! Tudo seria executado como o tetricamente planejado pelas FRUTAS DO MAL.

Ocorre que agora as filhas estavam adultas e com suas vidas sociais totalmente desregradas do contexto mínimo necessário para a aceitação do pai muito mais visionário (Sempre sonhava e fazia planos com o Prêmio da Megassena sem ao menos jogar), doido e mais pobre do que no passado de suas sofridas e carentes filhas nas infâncias inglórias.

OUTROS CONSELHOS DE FERNANDO IRMÃO DE RENATO

Fernando é considerado por sua esposa e filhos (Dois homens e uma mulher) um pacificador, um exemplo de pai e intimorato vencedor. Diferente de Renato, ele NÃO SE ACOMODOU! Sempre estudava (Fez graduação e pós-graduação), qualificava-se, acreditava e ensinava:

“Jamais existirá noite capaz de impedir o nascer do sol. E não há obstáculos e/ou problemas que possam impedir as mais significativas conquistas quando há perseverança e fé.”. Ele também ensinava: “O desempregado continuará desempregado enquanto não melhorar sua autoestima e se qualificar de acordo com as exigências do mercado de trabalho.”.

Tudo em vão! Renato nunca escutava o irmão não apenas muito bem qualificado, mais experiente e exemplo de urbanidade e progresso socioeconômico. Antes de Renato voltar para Campina Grande, PB, Fernando e um outro irmão residente no Rio de Janeiro, RJ, tentaram dissuadi-lo dessa danosa empreitada. Eles diziam com muita propriedade:

“Você não se qualificou. Seu estudo é pouco. No Brasil há mais de treze milhões de desempregados e entre esses milhões há doutores e profissionais muito bem qualificados trabalhando na informalidade. Você negligenciou o artigo 229 da Constituição Federal do Brasil... Não volte! Não volte! Não volte! Mas se resolver voltar por favor não nos culpe por sua burrice e teimosia.”.

“Cuidado! Suas filhas poderão também se esquecerem do dever de ajudar e amparar o pai na velhice, carência ou enfermidade como estabelece o artigo 229 da CF! Nesse caso, por você ser ignorante, recalcitrante e de convívio social irascível existe a grande possibilidade de se transformar em mendigo porque não terá apoio familiar. Não esqueça que você está velho para o mercado de trabalho.”.

A REALIZAÇÃO DA FUNESTA PROFECIA

Teimoso, ingrato, ignorante e protervo ao extremo Renato respondia: “Eu sou cobra criada!”. Triste sina! Infelizmente a funesta profecia dos experientes irmãos se concretizou: Hoje o recalcitrante é um mendigo! Atualmente Renato não tem dinheiro nem para cortar os cabelos, comprar um sabonete, um rolo de papel higiênico, tomar um cafezinho ou o suficiente para comprar uma lâmina e fazer a barba.

Renato vive a mendigar mantimentos em templos religiosos para complementar a pouca comida que a filha ainda lhe fornece por caridade ou favor. Ele precisa cuidar dos dentes, fazer exames preventivos, mas as filhas negam a assistência mínima e humanitária, básica para assegurar ao pai um pouco de saúde e dignidade humana.

Mas a "Cobra criada" sobrevive, esconde-se em um quarto miserável, no bairro de Santa Rosa, sito em Campina Grande, PB e come dia sim dia não algumas sobras de comida do dia anterior que a filha mais velha (quase 30 anos) lhe envia a contragosto, isto é, com extremada aversão, repulsa e ojeriza.

CONCLUSÃO

Depois de quarenta longas horas de uma sofrida viagem Renato chegou à rodoviária de Campina Grande, PB e não havia ninguém à espera dele. A punição por erros familiares até poderá ser suspensa, mas a culpa já fez morada no subconsciente do culpado. As três filhas e ex-mulher sabiam de sua chegada, mas em comum acordo decidiram, em uma reunião secreta, antes da chegada do energúmeno, optar pelo total abandono da “cobra criada” (Era assim que ele se cognominava).

AS DECISÕES DURANTE A REUNIÃO DAS FRUTAS DO MAL

“Essa é a melhor ocasião para mostrarmos ao monstro que o “mundo dá muitas voltas”. Ele deverá ser humilhado, passar fome, sede e dormir na rua para sentir não apenas que somos AS FRUTAS DO MAL, mas sobretudo as frutas podres que ele maldosamente plantou. Não nos damos conta, mas a falta dos cuidados básicos comprometeu de forma inimaginável o nosso normal desenvolvimento socioafetivo.”.

“O abandono afetivo infantil foi a violência que deixou marcas irreparáveis em nossas vidas. Esse abandono nos machucou aos poucos, no dia a dia, na infância e adolescência até a total apatia a tudo que ocorre ao nosso derredor. O abandono deixou-nos letárgicas e com baixíssima autoestima e produtividade na escola e sociedade.”.

“Mentimos. Somos cruéis. Não somos confiáveis. Somos traiçoeiras. Urdimos intrigas, enganamos, somos mal pagadoras. Temos acentuados desvios de conduta. Se hoje somos consideradas desequilibradas (doidas), grosseiras e mal-educadas não temos culpa por não termos conseguido superar a violência do abandono de outrora. Procuramos nos refugiar na religião (N. do A.: A mãe e as três filhas diziam ser religiosas) apesar de sabermos ser esse refúgio o ópio ou o caminho dos desesperados.”.

“O abandono afetivo é o sentimento mais miserável que uma criança pode sentir, é a dor mais triste, é o padecer capaz de tornar tão monstro o abandonado quando o causador desse crime hediondo. Em nossas casas ele não terá moradia! Não lhe daremos abrigo nem afeto. Alugaremos um quartinho miserável e daremos dia sim, dia não algo para ele comer como uma esmola a um miserável que não merece o ar que respira.”.

RESUMO DA CONCLUSÃO

Enfim, a pessoa carente tem grandes dificuldades nos relacionamentos familiares, amorosos, profissionais e sociais. Posso concluir de uma forma muito simples este conto afirmando uma verdade incontestável: Geralmente as vítimas do abandono infantil passam por várias carências ao longo de sua vida. Elas aprenderam de perto, no seio da família desorganizada o que é abandono e vão colecionando todo tipo de carência imaginável.

Isso tem um nome. Chama-se Compulsão à Repetição. De tanto ver uma situação de abandono e desrespeito em sua casa, a vítima se acostuma com esse sentimento. Para ela é normal, apesar de doloroso. No futuro ela vai procurar um parceiro com as mesmas características dos pais que viram em casa. Com comportamentos de abandono, rejeição e humilhação.

E o pior é que ela se sente familiarizada com isso, e pensa que é assim que precisa ser nos relacionamentos afetivos e sociais. Às vezes dizem aos gritos ou murmurando: “É assim que Deus quer e ele proverá o justo galardão.”. Essa vítima generaliza e entende, de forma distorcida, que o esfacelamento da família dela é igual em todas as demais famílias.

Por isso e muito mais meus saudosos: vovô Muniz e papai Muniz diziam com muita propriedade: “As pessoas se acostumam até com o que é ruim para elas. Por conta dessa acomodação não se esforçam nem um pouco em evoluírem.”.