Moça na chuva

Noite. A rua corria iluminada. As pernas ligeiras esperavam os sinais verdes. O ar cantava entre os prédios. Prenunciava chuva. As marquises como galinhas se preparavam para aninhar as pessoas-sem-guarda-chuvas. Era uma linda noite de verão. Eu não tinha o que fazer naquela noite. Encostei-me a uma marmórea parede de um prédio empresarial e pensei que poderia por ali ficar um pouco mais e assistir ao correr das pessoas apressadas devido aos grossos pingos de chuva que logo cairiam. Trovejava. A cada mudo raio seguia-se agora um ensurdecedor estrondo fragmentado. Percebi que se corresse, todo o meu terno de linho amassado também ficaria molhado. Resignei-me. Não estava com pressa. Meus pés me suportariam. Comecei minha observação acurada, sinto necessidade de estudar as pessoas, observar suas reações diante de determinadas situações. Sob a chuva de frente quente era uma dessas situações, ela vem caudalosa, oblíqua, iluminada e ensurdecedora. Era sexta-feira, dia em que parece que todos vão para suas casas , trabalharam toda a semana, e agora merecem o justo descanso dos Trabalhadores...

Já pingoleava fortemente. Grossos, os pingos como bolas de gude líquidas atingiam alguns transeuntes ou estatelavam-se nas calçadas mornas. Uma mulher de olhar oriental apertava o passo e a bolsa, e num curvar-se protetor parecia proteger todo o seu corpo. O ataque da chuva intensificava-se. Um clarão iluminou todas as faces e fez todas as pernas se apressarem. Trovejou. Correria de mães e filhos, de secretárias, de office-boys, de advogados, de maridos, de gente de bem, de de mal. A chuva agora parecia um caldo entornado do céu, grosso. Meus sapatos enchiam-se de pingos salpicados pela calçada. Não havia como salvá-los. Deixei-os. Meus olhos subiram até o horizonte e sorriram com a cena de um rapaz que parecia sorver toda a chuva, não se importava com os outros, não se aninhou embaixo da galinha, ao contrário, viveu todo aquele momento diluvial, a camisa, a calça, os tênis, carne ossos e alma encharcados, e eu preocupado com o meu terno que já era amassado! Uma senhora tentava proteger... proteger... você já viu alguém se protegendo de uma chuva dessas?

Outro clarão e eu vi ,do outro lado da rua, dois olhos negros, clareados pelo raio, pareciam luzes, que se apagaram com o raio, queria vê-los de novo, não me arriscaria a atravessar aquele rio vertical, esperaria outro raio, fixei o olhar nos dois pontos negros outrora luminosos à espera de novo clarão... esperei... esperei... veio! Como uma foto! Linda, molhada, os olhos, a boca, leve sorriso, leve sorriso? Ri, mas como, pra mim? Nem a conheço!... Quem sabe... Não esperaria outro raio surdo. Atravessei o rio para ver de perto aquela obra de Rodin, intrigado cerrava os olhos para ver os olhos negros que me sorriram, e à medida que me aproximava, encharcava-me. Vislumbrei a marquise, a loja, uma chapelaria... e ela! Sorria-me ainda! E continuava a sorrir a foto na chapelaria que dizia: Se você ainda não tem um dos nossos guarda-chuvas, sorria, nem tudo são flores!