Os lábios de Lorena

Não estava na fila pelos seios rosados. A jovem era graciosa, verdade, mas isso não queria dizer nada. Muitas outras eram graciosas e nem por isso vinte homens faziam filas para vê-las. Também não pagavam a quantia de cento e trinta reais. Era os dentes de ouro, estúpido. Não que isso agregasse. Dentes de canja, magina! O vestido de água, porém, com suas rendas de algas e seu cheiro de mar. Isso sim agregava. Os outros entravam na tenda pra namorar, trocar fluídos. Ele não. Com ele era diferente. Até mesmo comprara o anel. Não o comprara de verdade porque era de família. Foi do tio que faleceu em uma briga de galo. Não se viu outra briga de galo como aquela. Penas pra tudo que é lado, um vestido pintado de sangue e uma camisa que nunca mais secou. Tão salgadas foram as lágrimas que ainda hoje torcem o lenço pra retirar o sal. Um xingo interrompeu suas recordações. Adiantou-se para entrar, mas a patrona o parou com um cassetete. Indicou um balde no chão. Pagamento, disse. Revirou o bolso e tirou uma nota de cinquenta. Com esse dinheiro fica cinco minutos – ouviu-a dizer. Entrou. Os dentes não eram de ouro como diziam, mas tinham sim um tom de amarelo. Também as roupas não eram feitas de mar e sim de suor. Não encontrou a beleza nem o amor, e o beijo que lhe deu tinha gosto de vômito. Quando saiu da barraca carregou por um tempo aquela resposta.

- Você não parece uma menina de catorze anos, disse-lhe.

- Porque não sou, respondeu-lhe sorrindo: a menina de catorze morreu pra que o senhor pudesse viver.

Perto do viaduto jogou o anel na sarjeta e o viu girar para a seguir descer pelo bueiro. Então entendeu a resposta. Sob o calor infernal e as buzinas do engarrafamento caminhou um tempo na passarela. Depois, girou o corpo e jogou-se na frente de um caminhão.

Carlito Eudes Queiroz
Enviado por Carlito Eudes Queiroz em 09/06/2019
Reeditado em 08/09/2020
Código do texto: T6669077
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