1139-SAGUAROS E CASCAVÉIS-Viagens de turismo

Vanda dirigia com perícia o carro pelas ruas de Tucson, cidade ao sul do Estado do Arizona. Entramos em uma estrada quando nossa amiga viu a placa:

SAGUARO NATIONAL PARK 

— Daqui a pouco chegaremos, avisou Vanda, a mim á Enny, sem tirar os olhos da estrada.

Era verão e a paisagem reverberava à luz do sol forte. Dentro do carro estava confortável, o ar condicionado funcionando, refrescando o ambiente.

O cacto saguaro é a planta símbolo do Estado do Arizona. É muito característico, pois quase sempre é uma haste vertical de uns seis ou sete metros, central na qual nascem duas três ou mais hastes, também verticais como se fossem galhos. Espinhos por todo o redor do cacto e seus braços. Juntos, como no parque, formam uma barreira difícil de ser rompida, além das cobras cascavéis, que são abundantes e protegidas.

Quando atravessamos o monumental portal da entrada do Parque Nacional do Saguaro, a estrada prosseguiu em um zigue-zague desnecessário no terreno plano.

— Engraçado. Uma estrada que mais parece uma cobra, em um terreno totalmente plano. — comentei.

— É para evitar que os turistas corram. Observe que não existem sinais de limites de velocidades, porque não se pode ir a mais de trinta ou trinta e cinco quilômetros.

E Vanda prosseguiu nas informações, como guia turístico, ou melhor, como anfitriã perfeita que se preocupa em colocar seus convidados a par de tudo o que está ao redor.

— E também para evitar matar as cascavéis, que nas horas quentes atravessam a estrada.

— Uai, então tem tanta cobra assim?

— Sim, aqui neste parque é também um Refúgio Ecológico das Cascavéis.

E o carro ia serpenteando a planície, em meio a uma densa “floresta” de saguaros. Depois de uns vinte minutos, chegamos a um Posto de Vigilantes do Parque. Um conjunto de construções com lanchonete, área para descanso dos visitantes, locais para banhos, tudo muito organizado.

O edifício do Posto de Vigilantes, onde vários guardas exerciam suas funções de dar boas vindas, conversar com os visitantes (duas gentis loiras em elegante uniforme), tinha uma estrutura que se elevava a uma altura de 50 metros, com escadas e elevador para atingir uma plataforma de observação.

Como o terreno do parque era plano como uma mesa, o panorama de trezentos e sessenta graus visto lá de cima, era impressionante. O conjunto de milhares, talvez milhões de pés de cactos, formava uma massa verde-cinza que se estendia até o horizonte.

Vi com o binóculo, bem distante de onde estávamos, uma estrutura de aparência fora do contexto da paisagem, mais parecendo um galpão para aviões.

Perguntei à moça, Ellen, do que se tratava.

— E uma fábrica começou em 1930 de carne de canned rattlesnake, cascavel enlatado.

— Well!, você lutando para conservar as cascavéis e uma fábrica dizimando as cobras para vendê-las como carne em latas?

Ela se deu ao luxo de me dar uma boa explicação, num inglês caprichado, de forma que outros turistas foram sendo atraídos pela sua narrativa, e quando ela terminou, um grande grupo estava reunido ao redor da guarda Ellen.

— A história é antiga, começou logo após o final da Primeira Guerra Mundial. Exatamente em 1920 — Disse a simpática guarda. — Um industrial de New York, fabricante de alimentos enlatados, visitou esta região e ficou abismado com a quantidade de cascavéis entre os saguaros. Para elas, as rattlesnakes, cobras cascavéis, constitui um habitat natural, adequado: solo árido, cascalho e pedriscos por toda a área, muito sol e calor.

— A ideia estalou na hora, na cabeça do Sr. Wilson Wilbore: aproveitar a abundancia da matéria prima e transforma-la em produto enlatado. Sem tardança, adquiriu uma área imensa nesta região. Naquela época era uma região evitada por todos que passavam pelo deserto de Sonora (ainda não existia o Saguaro National Park, que foi criado em l933) e as terras pouco valor tinham. Instalou sem demora a fábrica e durante anos matou as cobras para sua indústria. Mas as cobras foram rareando, e quando o parque foi criado, a fábrica foi fechada por escassez de “matéria prima”.

—OK, eu disse. Posso ver que há movimentação de veículos por perto.

— Yes. Hoje está instalada uma nursery de cascavéis, isto é, um ma criação artificial de cobras que são soltas no deserto tão logo estejam em condições de sobreviver. Também um grande laboratório para extração do veneno das rattlesnakes com o fim de produzir soro contra picadas de cobras.

Saímos do Centro do Park para uma caminhada por uma trilha, guiados por um guarda, que foi acrescentando informações sobre o Saguaro. Em inglês, claro, que tento traduzir para os leitores.

— Esta região de mais de trezentos quilômetros quadrados é coberta pelos saguaros. Vejam que os “galhos” laterais fazem a planta se assemelharem a candelabros de dois ou mais braços.

— A região é tão selvagem que sempre foi evitada por índios e pelos exploradores, pois se observarem, fora da trilha torna-se difícil de caminhar entres os cactos, a pé e muito menos a cavalo.

— Os índios Yaquis, que habitavam o deserto de Sonora – que se estende pelos territórios do Arizona e do norte do México – idealizaram que esta região coberta por saguaros era misteriosa e maldita, habitada por demônios sob a forma de cascabeles – uma espécie de inferno. Por isso a evitam de todas as maneiras.

Um calor de derreter as moleiras. De vez em quando o guia para o grupo – éramos umas doze pessoas – para apontar, a uma distancia de dez metros ou mais, uma cascavel esquentando-se ao sol. Pudemos também, em um sítio apropriado, aproximarmo-nos de um saguaro isolado e constatar quão grandes e afiados são os espinhos do cacto peculiar daquela região.

Encerramos a caminhada acalorados. Confesso que estava um pouco cansado. Por isso, fui direto à lanchonete tomar uma Coca enquanto Vanda e minha esposa foram à loja de recuerdos, comprar cartões e bugigangas – o que é “obrigatório” em qualquer parque ou local frequentado por turistas.

Assim foi nosso passeio pelo parque de Saguaros espinhentos e cascavéis espinhosos, o inferno dos índios Yaquys.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 21 de dezembro de 2019.

Conto # 1.139 da Série INFINITAS HISTÓRIAS.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 13/02/2020
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