"ENREDO" CARNAVALESCO

"ENREDO" CARNAVALESCO

Em pleno domingo de Carnaval êle "soltou a franga"! Quem soube nem acreditou, foi preciso muita coragem para isso, era de família tradicional, caretíssima. Os comentários foram gerais:

-- "Então, ontem à noite, êle soltou a franga... a mãe não viu e o pai já estava dormindo. Se tivesse visto a "desgraça", acho que o estrangularia"!

Seu pai acordou tarde na segunda-feira, "dia de descanso" pra quem trabalha domingos e detesta Carnaval. Estranhou tanto silêncio na casa inteira e gritou pela esposa, nos afazeres da manhã, na cozinha.

-- "Hermê, Hermê, me traz um café completo" !

Hermenegilda ouviu e, conhecedora dos gostos do marido, levou a bandeja já pronta, repleta de petiscos.

-- "Huuummm, ah, Obrigado... cadê o "Lino", querida" ?!

-- "Dormindo ainda, meu nêgo... chegou tarde da farra, sabe como são os jovens"!

Falavam de Virgulino Hermelindo, cabra macho, tataraneto de "Lampião", batizado em homenagem ao cangaceiro. É, aquele mesmo que "soltara a franga"! Mal teve tempo de engolira as delícias matinais e já se viu obrigado a atender à porta, uma vizinha fofoqueira se dava ao trabalho de alertá-lo:

-- "Eu vi "seu" Gumercindo, a "Lili", digo, o "Lino" vestido de mulher, com batom, "soutien" e salto alto, uma coisa pavorosa... êle "soltou a franga" ontem"!

-- "O quê, aquele infeliz não se atreveu a tanto !!! Como teve coragem de soltar a minha franga" ?!

-- "Hein, cuméquié ?! Do que o senhor está falando" ?!

Dona Hermenegilda -- que não gostava nem um pouco da "jararaca" -- se postara num canto da sala só para "assuntar" do que falaria a "língua de trapo".

-- "Pode ir, dona Candinha, eu explico tudo pra êle" !

-- 'Vá acordar aquele ingrato, quero saber que história é essa, êle não pode ter soltado a minha franga, me custou uma fortuna, veio lá da Indonésia"!

Com os berros do pai o filho acordara e, de pijama, já estava na sala, temerosos pelo tamanho da bronca que receberia. A mãe adiantou-se, tentando botar "panos quentes" na situação do rebento.

-- 'Não é bem assim, senhor meu marido... foi uma fantasia inocente, muitos se vestem de mulher nessa época"! (Ela não sabia "da Missa a metade"!)

-- "Você, seu miserável, ousou soltar a minha franga" ?!

-- "Soltei, sim, papai... me "encheu as medidas" ter que dar milho todo dia e limpar aquela sujeira toda" !

-- 'Meu fiiilho, você ousou tocar na galinha do teu pai... como teve coragem de fazer uma barbaridade dessas"?!, teatralizou a mãe, aliviada por não ter que explicar a "depravação" do filho amado.

-- "Desgraçado... e agora, como fica minha fantasia de goleiro ?! A franga era a parte especial dela"!

-- "Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe|"!, retrucou irritado o "moçoilo", "desmunhecando" mais do que Clóvis Bornay na passarela dos desfiles de Carnaval.

O pai estava "soltando fumaça" pelas narinas, o baile da "Terça-Feira Gorda" era uma obrigação, mesmo não se gostando de Carnaval. Era um acontecimento social imperdível, êle preparara uma fantasia genial, a de goleiro do América FC -- time de meio bairro lá na Pavuna -- que levara uma "lavada" de seu invencível Vasco da Gama. O frango completaria lindamente a pantomima, ave especial, toda cheia de cores, um espanto.

-- "Está de castigo até segunda ordem... não sairá nem pra ver o sol e vais trabalhar comigo a partir da semana que vem. Acabou "a sopa", "doutor" Virgolino" !

Dizem que a franga "carnavalesca" foi vista acompanhando um Bloco lá pros lados do Engenho Novo ou de Dentro -- nem ela sabia ao certo -- feliz da vida com a liberdade, entre foliões estupefatos com o fato de um energúmeno qualquer "ter pintado" o galináceo.

"NATO" AZEVEDO (em 25/fev. 202, 16hs)