Devaneio Noturno

Ela apareceu em meus sonhos e concretizou a maior de todas as minhas esperanças, decolar. Passei muitos anos alimentando o desejo de aprender a voar e ela presenteou-me com um par de longas asas. Feliz, mas meio sem jeito, mal conseguia me vestir de passarinho. Quando tentei alçar meu primeiro vôo não encontrei sustentação e o pouso foi forçado. Mas, com carinho e paciência ela me repassou novas orientações e ficou torcendo para que tudo desse certo. Novamente partir em busca do meu sonho. Mas a maldita asa não se comportava conforme os meus desejos, tinha vontade própria. As correntes de ar também me abandonavam e a descida era inevitável. Num desses vôos encontrei Ícaro em queda livre e lhe desejei um bom pouso, com uma pitada de fina ironia. Os resquícios de cera derretida grudaram em meus cabelos, pareciam gel de pentear, tudo de passagem. Pousei assustado e ainda deu tempo de ver Ícaro dar seu último suspiro. Eu, pelo menos, estava a salvo, não havia voado tão alto, escapei do sol e seu imperdoável calor.

Novamente em terra firme ela me confidenciou seu desejo de me proteger, parecia um anjo, mas havia ali algo mais. Não a desejava apenas como protetora, queria tê-la nos meus braços, abraça-la forte penetrando-lhe as entranhas, um lugar já a muito conhecido. Quem era aquela mulher? Por que aquela forte sensação de que já a conhecia? Pela manhã, quando acordei, minha memória estava confusa e, nesta situação, fiquei sem respostas para muitas indagações. Mas ao olhar para o lado vi minha mulher, na cama, ela sorria como se soubesse de tudo. Aquele sorriso maroto deu o recado.

Sérgio Peixoto Mendes
Enviado por Sérgio Peixoto Mendes em 10/10/2007
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