Devaneio Noturno II

Dando continuidade a “série sonhos” - que iniciou no post anterior - devo confessar que esta noite recebi a visita de todas as quinquilharias que um dia foram úteis na minha vida. Estavam todas juntas, expostas num único sonho, num único lugar, numa única noite. Minha primeira geladeira, que simpática, meu corcel 82, minha bicicleta de origem germânica , meu guarda-roupa de solteiro, que espetáculo. Um brechó sutil, enevoado, tosco, mas vivo como a realidade. Surpreso, questionava: como poderiam essas coisas ainda existirem? Tá certo elas estão em minha memória, mas daí até serem motivo de meus sonhos é demais. E eu que tinha certeza que havia me livrado de meu primeiro fusca, daquele pé-de-lata que meu torceu algumas vezes o tornozelo. Que coisa estranha, de repente me dei conta que todos os carros que já foram meus são capazes de encherem um estacionamento quando juntos. O sonho ficou indelével quando reencontrei minha primeira motocicleta. De cor azul calcinha, me encheu os olhos d'água. Acreditem ela dormiu sua primeira noite comigo, ao lado da minha cama, ambos trancafiados num quartinho que ficava atrás da casa de meus pais. No dia seguinte o odor no quarto era de pneu novo e minha ansiedade estava nas alturas. Pulei da cama e corri para a janela para olhar o céu, tudo que desejava era um bom dia para inaugurar minha moto.

Os sonhos devem ter inspirado Epicuro. Sua tese de que as boas lembranças podem amenizar os momentos de dor, funciona, principalmente nos devaneios noturnos. Aquelas quinquilharias quando juntas, saudade, no entanto, não gostaria de te-las de volta. O relógio me despertou para um novo sonho.

Sérgio Peixoto Mendes
Enviado por Sérgio Peixoto Mendes em 10/10/2007
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