Os ardis e os deslumbramentos da linguagem

Um antropólogo, em meio a um grupo de crianças primitivas, apontou para a mesa a sua frente e perguntou: - ''o que é isto''. Uma criança, para pouca supresa dos que ouviriam a história, respondeu: - ''uma mesa''. Outra criança, quem sabe mais meticulosa que a primeira, repondeu-lhe: - ''madeira''. A terceira, a mais pernóstica de todas, disse-lhe assim: - ''o ato de apontar para alguma coisa''. A quarta: - ''dedo''. A quinta, geometricamente: - ''superfície plana''. +

Um xamã, que ali se encontrava, apontou para a última criança, olhou para os outros homens e mulheres, pousou os olhos por fim no antropólogo e lhe disse, na sua língua e ao seu modo: esta será uma geômetra. Apontou para a penúltima criança e disse: este será um homem como eu. Apontou para a antepenúltima: este será nosso líder. Continuou: esta será botânica. A última criança: este será um carpinteiro.

O antropólogo, alegre com a engenhosidade dos primitivos, inspirado pelo xãma, nomeou as crianças, na ordem em que o velho xamã as havia predestinado, pelos seguintes nomes: Ava, Hegel, Khan, J.B e Dédalo.

A escolha dos últimos dois nomes gerou entre o antropólogo e sua assistente uma breve discussão. Ela queria saber porque a menina foi nomeada com um nome masculino. Queria saber também porque a escolha de um nome da mitologia grega foi dado ao último menino se seria tão mais simples nomeá-lo com o nome do carpinteiro mais famoso de todos os tempos. A isto o antropólogo lhe disse: ''- Minha cara, tudo muito simples. J.B, enquanto JotaBê, é um nome assexuado, e eu não conheço nenhuma mulher que fora botânica, não como J.B. o fora. Quanto ao menino, recuso-me a fazer alusão a personagens religiosos.''

''- Faz alusão ao que hoje chamamos de mitologia,'' continuou sua assistente, ''mas que na época era religião''. O antropólogo lhe sorri e responde: ''- Exatamente, menina. Quando formos todos mitológicos, todos bobos, nomearei de José todas as crianças que me forem agradáveis''. ''- Os Gregos não se apegariam a bagatelas'', disse ela. ''Sabemos dos gregos somente as coisas boas. Heródoto e Tucídides escreveram em seu tempo sobre si próprios. Depois vieram os romanos que os invejavam. Depois os historiadores europeus que escolheriam para si a mãe nórdica e o pai grego, ignorando todas as influências que vieram do leste e para lá do mediterrâneo. Aliás, o pouco que se sabe dos Gregos, sabe-se devido em parte à fúria dos cristãos, em parte devido ao zelo dos árabes. Estou sendo parcial? Sim, de fato, mas a história contada muitas vezes também o é. Dirá: nem todos os cristãos são homens maus. Dirá: nem todos os árabes são homens bons. E eu lhe direi: vê o erro por trás das abstrações? Ergue-se um nome, um adjetivo e dentro dele se põe a meter todos os homens e todas as mulheres. Faz-se o silogismo dos maus caracteres: todos os brâmanes são ladrões. - Porque, homem? - três brâmanes roubaram meu pomar. - Porque insultas Om? - Om é um brâmane. - O que tem isto, homem? - Om é um ladrão. Quando fala de Gregos, a quem se refere? Aristóteles? O camponês dório que carrega seu porco para dentro de casa para se aquecer no inverno? Heróstrato? Quando fala dos franceses, refere-se a quem? Sade ou Pasteur? Nenhum deles? A quem então? Pessoas comuns? Marguerite? Alphonse? Jolie? Jean-Pierre? Martin? Celestine? Vê como as palavras tornam-se coisa alguma? Vê como nada são?''

'' - Se nada são, por que não José?'' '' - Porque nada são para mim. Porque sou cientista e não jesuíta. Porque são nomes de brincadeira. Porque se chamam verdadeiramente Ilo, Maros, Selos, Zaor e Ialala.'' ''Ilo,'' perguntou ele, apontando para a assistente ''O que é isto?'' Ilo, que brincava, sentou-se divertido e com brilhos ao chão, e respondeu, na sua língua e ao seu modo: - ''uma mulher adulta''. Maros, a mesma pergunta, respondeu ao antropólogo: - ''vida.'' Selos, novamente: - ''o ato de apontar para alguma coisa.'' Zaor, como antes: - ''dedo.'' Ialala, por fim e misteriosamente: ''círculo.''