256 O Equilíbrio

- Ainda acabas como acrobata de circo, disse-lhe D. Julieta rindo-se irónica. Ao tempo, Adelino não percebia nem de ironias nem de maldades inúteis e continuou a sobrepor os cubos do Lego em equilíbrio precário. Também D. Julieta nunca sentiria o gozo de saber quando deixar as coisas alinhadas, pesadas e medidas para que não caíssem. Este dom ela não tinha nem em coisas comezinhas. Equilíbrio, disse-lhe o pai, era a capacidade de, em cada momento, saber o que está no lugar certo para ser. Ele guardou a frase que não percebeu e era agora, quando se percebia entregue a si mesmo, que a entendia. Mais do que pesar no seu interior, com todos os sentidos em agudo, com toda a concentração, as coisas a equilibrar de modo único estavam as características do que equilibrava, a força da gravidade, o lado do vento e, sobretudo, o alinhamento perfeito. - Sim, isso é admirável, disseram, mas para que serve? Que utilidade tem para alguém empilhar pedras, coisas, desafiar as leis cumprindo-as no seu limite? Tem a mesma utilidade das matérias que doiram a nossa impotência, as verdades difíceis, o tempo ausente. O equilíbrio nas palavras dá poesia, literatura e a falta de senso gera relatórios tão doentes que os que lerem ficam desamparados ou lutarão no campo errado. Dizendo isto, encimou a coluna de seixos e cascalho dando por acabado mais um equilíbrio. E depois da admiração incontida e porque era feroz para quem não tinha capacidade , nem bom senso, nem sabia gerar harmonias inusitadas, um Joaquim empurrou tudo restabelecendo o comum inerte que nada desafia.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 18/08/2020
Reeditado em 18/08/2020
Código do texto: T7038860
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.