Em 2.030, na escola...

Era o primeiro dia de aula na Escola Princesa Isabel, de ensino infantil. As crianças a invadiram em vagalhões destruidores, que não poderiam ser contidos nem por todo o maquinário construído pelo homem para a contenção de fenômenos naturais devastadores. A algazarra das crianças traduzia o ânimo delas, criaturas de almas angelicais. Abraçaram-se, espontâneas, expansivas; falaram-se; gargalharam. Sempre em alto e bom som, com toda a força de seus pequenos pulmões, que emitiam sons altissonantes, de fazer tremer o Everest. No rosto delas, o sorriso aberto; nos olhos, o brilho da inocência, da ínfrene alegria. Dominaram da escola o pátio e os corredores. Algumas, acompanhadas de seu pai, ou de sua mãe, logo das mãos deles, assim que viam um amigo, se desvencilhavam e iam alimentar a multidão turbilhonante que tomara conta do território escolar. O caos presente ocultava a ordem existente. Ao soar do sinal que indicou o início das aulas, as crianças rumaram cada uma delas para a sala-de-aula que frequentaria durante o ano letivo. E esvaziou-se o pátio, de onde saía o ruído do silêncio, e nada mais. Em uma das salas-de-aula, a de número 7, da quarta-série, além de vinte e oito crianças, entrou a professora Ludmila, mulher de trinta e dois anos, professora desde os vinte. De estatura mediana, cabelos pretos, lisos e compridos, esbelta, simpática, de espírito cativante, era querida por seus alunos.

Após alguns minutos de conversa descontraída com seus alunos, e assim que eles se silenciaram, disse a professora Ludmila:

- Vamos à chamada.

- Vamos - replicaram algumas crianças; e todas riram.

- Prestem atenção - pediu a professora Ludmila. - Álcoolgeorge.

- Presente.

- Álcoolgerson.

- Estou aqui no fundo.

E gargalhadas dominaram a sala.

- Engraçadinho - censurou-o a professora Ludmila, sorrindo. - Atenção! Álcoolgilson.

- Presente.

- Cloroquiniano.

- Presente.

- Covidiano.

- Presente.

- Distanciamentónio.

- Presente.

- Professora, a ponta do meu lápis 'tá quebrada - disse uma aluna.

- Você tem apontador? - perguntou-lhe a professora Ludmila.

- Não - respondeu a aluna. - Eu o esqueci, na minha casa, em cima da minha cama.

- Quem pode emprestar um apontador para ela? - perguntou a professora Ludmila a todos os alunos.

E três alunos oferecem à aluna um apontador, e ela pegou o que lhe ofereceu um aluno sentado à sua direita, e pôs-se a apontar o lápis.

- Vamos retomar a chamada - anunciou a professora Ludmila.

- Sim, professora - exclamaram os alunos.

- Imunidadenilson.

- Presente.

- Infecsálvio.

- Eu esqueci o presente, professora.

Os alunos riram. E a professora Ludmila pediu-lhes silêncio, e prosseguiu com a chamada:

- Isolamentobias.

- Presente, professora.

- Isolamentônio.

- Presente.

- Ivermectiago.

- Presente.

- Lockdowniel.

- Presente. Posso ir embora, professora? Ontem, eu não terminei a terceira fase do Game of Virus.

- Não!? - exclamou um aluno, surpreso. - Eu já. E estou na sexta fase.

- Legal! - exclamou outro aluno.

- Meninos, silêncio - censurou-os a professora Ludmila. - No recreio, vocês poderão falar do jogo; aqui na sala, não. Lockdowniel, você não pode ir embora. E comportem-se todos vocês. Atenção à chamada. Lockdownson.

- Presente.

- Pandemilton.

- Presente.

- Quarentênio.

- Presente, professora.

- Recuperadouglas.

- Presente.

- Vacinelson.

- Ele não veio, professora - disse Pandemilton. - Ele mora perto da minha casa. Ontem, ele e a mãe dele, a dona Amélia, que é muito chata, e muito, muito feia, disseram para a minha mãe que hoje ele iria ao médico.

- Tudo bem - disse a professora Ludmila. - À chamada. Vacinicius.

- Presente.

- Azitromisílvia.

- Presente.

- Cloroquiniana.

- Presente, professora.

- Coronádia.

- Presente, professora.

- Coronavilma.

- Presente.

- A Coronavilma é muito chata - disse Cloroquiniano.

- Chato é você! Bobão! - replicou Coronavilma.

- Silêncio, por favor - reprovou-os a professora Ludmila. - Atenção à chamada. Covidiana.

- Presente.

- Infecsílvia.

- Não veio - disse Lockdownson.

- Isolamentónia.

- Presente.

- Quarentenina.

- Presente.

- A Quarentenina também é chata - disse Cloroquiniano.

- E você é bobo - retrucou Quarentenina.

- Bobo e bocó - completou Coronavilma.

- A conversa não chegou no chiqueiro, nariz de porquinha - respondeu Cloroquiniano, dirigindo-se à Coronavilma.

- Professora, a senhora ouviu... - perguntava Coronavilma à professora Ludmila.

- Sim, Coronavilma, ouvi - respondeu-lhe a professora Ludmila antes que ela completasse a frase. - Silêncio, todos vocês. E você, Cloroquiniano, não me interrompa. E seja educado com as suas colegas.

- Sim, senhora - respondeu Cloroquiniano.

- Professora, mande o Cloroquiniano para a diretoria - sugeriu Coronavilma.

- À chamada - disse a professora Ludmila. - Eu ainda não a terminei. Quarentenívia.

- Presente, professora.

- Vacinúbia.

- Presente.

- Zincarla.

- Presente.

- Zincátia.

- Presente, professora.

- Agora - disse a professora Ludmila -, encerrada a chamada, à aula.

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 09/03/2021
Código do texto: T7202592
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