PELAS "ONDAS" DO RÁDIO

PELAS "ONDAS" DO RÁDIO

O doutor Astolpho Penna Forte voltara velhinho à cidade onde vivera sua bela infância entre a Escola Primária e os banhos no rio que dava nome ao lugarejo, além do "potreiro" onde se soltava pandorga (a "pipa" ou "raia" no restante do país) e jogava-se mal a "pelada" "de pés raspados", como diziam no Pará. "Fofó" vivera meia vida em 3 ou 4 Estados, a maior parte dela no Norte, ouvindo Rádio o tempo quase inteiro. Televisão lhe dava sono, era uma chatice só, porém o Rádio o empolgava... de tanto ouvir, aprendera a fazer programas "sem música", só no "lero-lero", na conversa fiada, especialidade (?!) de boa parte das emissoras locais.

Descera do ônibus na Estação Rodoviária de Rio Negro -- com rio que cortava a cidade de uma ponta a outra -- disposto a ter o seu programa numa Rádio qualquer, dinheiro não lhe era problema, amealhara o suficiente para gastar sem receios. A Rodoviária já não estava mais na pracinha central, porém o prediozinho da PRK-55 -- o prefixo oficial da Rádio Rio Negro -- continuava ali, 50 ANOS depois... e, por milagre, a Rádio também !

Adentrou o sobrado e supreendeu o jovem diretor com a proposta de "comprar horário" para seu futuro programa, o "Cirquinho do Tio FOFÓ", que era êle, claro ! A Rádio nada tinha a perder... deu-lhe 30 minutos entre às 15 e 17 horas, período "apagado" da emissora. O renovado "Fofó" poz mãos a obra, digo, ao projeto na Rádio e procurou as escolinhas da cidade inteira, a garotada que aparecesse lá para cantar e contar piadas ganharia biscoitos, bombons "Sonho de Valsa" e até alguns "trocados", 2 ou 3 reais. Fosse em seu tempo de guri, "piá", fracassaria mas, agora, época da comunicação, a meninada enchia o auditório e espraiava-se pelos jardins da pracinha, onde poderosa caixa de som reproduzia o que se passava no salão da emissora. Com músicas jamais ouvidas pela cidade -- trouxera CDs e LPs antigos com ritmos os mais estapafúrdios -- o programa "decolou" em semana e meia, conseguiu anunciantes, "bateu" no IBOPE a Rádio de Mafra, cidade vizinha e fronteiriça, já no outro Estado e fez estrondoso sucesso.

Aumentou-se a hora do programa, que virou motivo de comentários na cidade inteira por causa do "seu Geroboaldo"... mas quem era o tal Geroboaldo ?! Ninguém na cidade sequer imaginava ! A criançada -- com seu silêncio comprado a peso de muito biscoito e "pixuleco", "mirréis", 2 ou 3 reais -- nada informava sobre o Geroboaldo: como era, que idade tinha, onde morava, de onde vinha ! O fato é que Geroboaldo começou a incomodar a "elite" da cidade, o juiz, o vigário, comerciantes importantes, vereadores e até o prefeito. O tal "Gerô" gerou revolta no "Society rionegrense", era bem informado, parecia saber "de tudo", aliás, "de tudo DE TODOS" e nos poucos minutos que falava na Rádio "o Mundo vinha abaixo" e o Apocalipse se fazia presente, com os 4 Cavaleiros junto.

Para o leitor não continuar com cara de pateta narrarei aqui um os muitos diálogos entre o "pseudo-radialista" Astolpho e o misterioso "Gerô", que ninguém "nunca vira" na cidade, porque o programa acontecia "de portas fechadas", não se entrava nem se saia da Rádio durante êle, estava no contrato isso.

-- "Cadê o Geroboaldo... já chegou" ?!

-- "Ainda nããão"!, berra a platéia infanto-juvenil, devidamente treinada e instruída. Pouco depois:

-- "Até que enfim, "seu Gerô", atrasado de novo... podes me dizer o que houve desta vez" ?

-- "Huumm... kiii... grumpf... haurr" !

Não, cara leitora apressada, não é grego nem árabe, o sujeito só falava ou respondia "por grunhidos", todas as suas "declarações", protestos, insinuações e "estórias" eram feitas pelo locutor "Fofó", Geroboaldo apenas as "confirmava"... GRUNHINDO ! Contudo, o "Cirquinho do Tio Fofó" começou a causar furor na cidade, o tal "Gerô" era bem informado, parecia saber de toda bandalheira, negociata ou coisa escusa dos "figurões" da cidade, do pastor e do padre, inclusive.

-- "Como é, Gerô... o vigário tem comprado muitas flores ?! E daí, é para pôr no altar da Santa" !

-- "Kiii... grumpf... haurr" !

-- "O quê ?! A "santa" é outra ? A filha da doceira Felismina, a "Miss QUINDIM", aquela que "dá mais do que xuxu na serra" ?! Veja lá o que você está falando" !

-- "Kiii... grumpf... haurr" !

-- "Não me diga, o pastor Rosicrér também manda flores ?! Nããão ?! Ah, comprou um carro ! E daí ? O que há de errado nisso" ?!

-- "Kiii... grumpf... haurr" !

-- "Trocou seu "lata-velha" por uma D-20 ! E a grana dos dízimos está cada vez menor... o dinheiro "está sumindo" ! Será verdade, isso" ?!

O murmúrio era geral, os ouvintes divertiam-se, achavam tudo lorota, "potoca", piada, mas os atingidos sabiam da veracidade das coisas lá faladas e pressionaram pelo fim do programa. Astolpho foi intimado pelo diretor da Rádio... ou "Geroboaldo" aparecia ou era o fim do "Cirquinho do Tio Fofó" !

Quiz o Destino que, numa ida à Mafra, alguém o cumprimentasse pelo belo programa e lhe afirmasse: "tinha um velho primo com igual nome lá em Canoinhas, uns 200 km além. Com o endereço na mão, lá foi Astolpho contratar a peso de ouro um Geroboaldo de carne e osso, para ser apresentado à Rio Negro inteira, em palco na praça lotada, domingo, após a missa das 9. Quase deu certo a farsa... o tal "Gerô" só GRUNHIU, mas alguém o vira descer do ônibus intermunicipal na Rodoviária e dona de lojinha de artesanato ATÉ FALARA com o "mudo", quando este lhe comprou 1 lembrança da cidade.

O diretor da Rádio -- fingindo-se enganado -- encerrou ali a carreira do programa, "desceu a lona do Cirquinho"... entretanto ninguém soube jamais como o velho recém-chegado SABIA TANTO sobre os "figurões" e "figurinhas" de Rio Negro. A garotada continua "de bico fechado". Agora todos o temem, o vêem bem informado, "um perigo" pro lugar.

A Rádio nada perdeu... aprendera como fazer belo repertório (setlist) musical e Astolpho viu minguar seu capital sensivelmente, mas se divertiu por um bom tempo !

"NATO" AZEVEDO (em 11/agosto 2021, 5hs)