As fragatas sobre a Candelária

As fragatas sobre a Candelária

Miguel Carqueija

Numa quente e ensolarada terça-feira Hamilton Guimarães dirigia o seu Pointer CLI cor de vinho pela Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio de Janeiro, em meio a um tráfego intenso e consequentemente bastante lento.
O rádio do carro estava ligado. Hamilton, um exemplo de homem comum da classe média, distraia-se escutando Marisa Monte, quando subitamente a programação foi cortada pelo prefixo de notícia extraordinária.
Entrou a voz de um locutor emocionado.
O veículo aproximava-se da Igreja da Candelária, no centro da imensa avenida, antecedendo a curva da Perimetral, que levava à Praça XV de Novembro. 
"... a bomba atômica lançada sobre o Pentágono foi uma represália ao ataque norte-americano desencadeado contra a Coréia do Norte. O governo da China acaba de declarar solidariedade ao de Pyongyang, e anunciou também a geral mobilização de suas forças armadas. O Conselho de Segurança da ONU..."
Num abrir e fechar de olhos o castelo de cartas do mundo, da civilização do século 21, vinha abaixo. As notícias chegaram torrencialmente catastróficas, com o rastilho de pólvora do conflito total se espalhando pelo mundo. 
Hamilton percebeu que centenas de metros acima as fragatas - aquelas grandes aves de asas quadradas - faziam tranquilamente as suas habituais manobras aéreas em círculos, como os urubus. Como elas faziam naquela região há tantos séculos.
Quanto tempo lhes restaria... para continuarem planando despreocupadamente pelas alturas?

Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 2004.

Imagem Pixabay
Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 09/10/2021
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