Casa de neve

Tudo fica branco com essa neve, menos o céu; esse está sempre cinza, apesar dos floquinhos que caem dele iludirem-nos de que Deus brinca com algodões por lá. É um trabalhão andar por aqui com tanto disso, as pernas chegam a sumir. Eu e amigo meu, vez ou outra, ficamos de limpar as ruas. Tanta neve que tiramos! Daria para fazer um lago. Mais esse meu camarada teve ideia melhor: uma casa. Casa essa diferente de todas. Não só por ser feita de neve, mas por se estender pra cima! Acho que ele queria ver além do cinza quando pensou nisso.

Estamos no sul. Não no sul-sul, estamos no sul do centro; que é diferente do sul do leste ou do oeste - é aqui que cai mais neve. Nos outros países-irmãos é pouca, se compararmos com aqui. Daria até para dividir ela com eles, ficaria bastante para todos.

A casa?

Foi desse jeito que aconteceu: invés de se desfazer da neve, resolveu pô-la num lugarzinho vazio e marcou um quadrado. Daí fez o alicerce e levantou as paredes. Deu um jeitinho com o teto e estava feita a primeira parte. Demorou umas horas - isso se não tiver passado um dia inteiro, não dá pra saber quando é manhã ou noite - e cansou um bocado, mas ficou pronta. Ele queria mais. Resolvi ajudar, vai que desse certo... Poderia, como agora faço, falar que participei de uma construção! Não uma mera construção. Uma completamente nova, inimaginável. Imagine...

Disso foi seguindo os dias e se repetindo os processos. Parede por cima de parede e fechando com mais um teto. Íamos, agora, sempre, retirar a neve. "Tão bonzinhos!". É. Tudo tão minucioso... O bom era que não era algo tão frágil assim... O vento vinha com mais neve, essa fortalecia a parede, que todo dia eu "polia" para ficar mais bonita. Foram umas dez casas, uma em cima da outra. Cada uma tinha altura de, por exemplo, eu quatro ou cinco vezes! E a largura era um pouco mais que isso. Mas era tudo tão branco... E escuro... O diferente parecia igual ao ambiente, por dentro. Não era isso que ele queria. Foi aí que resolveu mudar um pouquinho as coisas.

Chegou com uma madeira escura e começou os acabamentos. Aquela brancura contrastando com o negro do carvalho. Tudo tão bonito... A entrada ficou parecida com aquelas de igreja. Até janelas pôs. Duas em cada frente de casa, simetricamente, uma na esquerda, outra na direita; com uns detalhes em madeira. Dentro também fizemos arte, pintamos a tela. Na primeira casa: algo com cadeiras, mesas. Em cima: algo como um teatro. Na terceira: um quadro rústico; balcõezinhos com abóboras, legumes e coisas que remetiam ao outono do norte. E fomos enfeitando tudo. Só a escuridão teimava em continuar... O que foi um problema grande para resolver. Por candeias? Derreteria a neve... Ah, se fosse alta suficiente para pegar um pedacinho de estrela. Mas inventamos uma coisa estúrdia, porém funcional: cada casa teria, pendurada no meio do teto, raízes com velinhas. Assim a chama não ficava tão perto da neve e tínhamos um "sol" para iluminar os interiores.

Foi um tempo que nem sei dizer quanto, mas decidimos que "terminamos". Aquilo não terminaria nunca, fosse por nós ou pelo mundo, estava destinada a crescer sempre! Lembro que amigo meu, satisfeitíssimo, ficava tempos e tempos encarando a casa e sorrindo tanto. Quis eu eternizar aquilo. Peguei e gravei a imagem dele, de braços abertos, na frente da casa, a sorrir para o desenho. Atrás pus toda a história.

Coloquei o quadro no topo da casa.

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 16/10/2021
Código do texto: T7365141
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