Erro de Cálculo

Irei descrever aqui um episódio que ocorreu comigo. Diria, um momento incomum, para não dizer excepcional, e que se passou em minha vida. Poderia dizê-lo que foi uma situação inusitada que sobressaiu pela sua excentricidade. Tudo é inteiramente verídico. Jamais iria criar ou inventar algo dessa natureza, até mesmo porque eu nunca que teria criatividade para tanto. Meu negócio é régua e compasso, sou projetista industrial. Acredite, sucedeu comigo. Inclusive, há passagens que beiram o surreal. Um amontoado de disparates.

É bem provável que o leitor desta narrativa possa até mesmo, no desfecho de tudo, quem sabe, ser traído por algum sentimento de compaixão, ou mesmo piedade, ter sua sensibilidade ferida, e até mesmo ser traído por alguma lágrima incontida.

Desde que fui para a Bahia em janeiro de 1984, programava-me para que depois de uns quatro ou cinco anos pudesse regressar. Era meu sonho trabalhar e morar um dia no litoral. Fui agraciado, morei em Salvador, mas não queria residir ali eternamente. Como é a sina de todo mineiro, queria um dia poder voltar para Minas.

Buscava novos horizontes, porque naquela época havia uma recessão e uma crise de desemprego no país de dimensão inacreditável. Parti com a cara e a coragem. Embora tivesse sido influenciado por um colega de minha cidade que ali já residia, ao encontrá-lo em Salvador, ele me “virou as costas”. Fiquei em uma situação complicada, pois minhas economias eram escassas, e aquele dinheiro que recebi pelos meus direitos trabalhistas na empresa onde trabalhei anteriormente em Belo Horizonte, já estava às mínguas.

Seis anos depois que eu já estava estabilizado em Salvador, agora casado com uma mineira de Itabira, recebi um convite para fazer uma entrevista técnica e profissional em uma empresa eletromecânica na cidade de Vespasiano, na grande Belo Horizonte. Vislumbrava um retorno para meu estado natal.

Em uma segunda feira pela manhã eu já estava em Vespasiano para o teste técnico e entrevista. Aos seus finais, já iniciando meu retorno para a capital baiana, peguei um táxi e fui para o Aeroporto Tancredo Neves que se localizava naquela mesma região e embarquei para São Paulo. O voo teria escalas não só naquela capital, como também na cidade do Rio de Janeiro. Já saí da empresa ciente de que não seria daquela vez que eu retornaria para Minas Gerais, pois não houve acordo salarial com o empregador.

Na capital paulista fomos informados que iríamos trocar de aeronave, e que o avião que viria de uma capital do Sul do país, e que nos levaria para aquela “boa terra,” estava atrasado. Fiquei então vagando pelo Aeroporto de Congonhas “filando” as manchetes das capas de jornais, revistas e livros expostos em uma enorme banca, que era o que eu mais fazia na Praça 7 em Belo Horizonte por aquelas bancas de revistas, e aquela do aeroporto era enorme. Seu interior era muito sortido com revistas e livros sobre diversos assuntos, inclusive haviam até jornais internacionais. Verdade é, eu me sentia muito à vontade dentro daquela banca, e com certeza, queria eu ter dinheiro suficiente para levar todas as revistas e livros interessantes que haviam ali expostos.Também pudera, estava na principal cidade da América Latina, e num dos aeroportos mais movimentados do país.

Resolvi então comprar o Jornal Folha de São Paulo para ver se as horas passavam menos preguiçosamente. Sempre fui, embora hoje nem tanto, leitor voraz do Jornal Folha de São Paulo e de seus colunistas, isso para acompanhar a vida política nacional.

Estava lendo aquele jornal. De vez em quando levantava os olhos e sempre observava uma mulher que estava assentada bem ali numa daquelas cadeiras do outro lado daquele corredor, não mais que seis ou sete metros distante, e que já se encontrava naquele lugar do aeroporto desde que cheguei. Tinha consigo daquelas bolsas de panos enormes contendo utensílios para bebês. Era muito bonita e tinha uma criança no colo. Devo confessar que não havia outro propósito por sentar-me justamente naquele lugar, se não fosse aquela mulher. As bolsas eram azuis e deduzi que aquele bebê fosse um homenzinho.

Ora ela enfiava sua mão em uma daquelas bolsas e tirava algo para usar naquele bebê, ora em outra, e assim procedia o tempo todo. Muito das vezes também passava uma fralda no rosto, pescoço e no corpo daquele bebezinho, e que mais tarde fiquei sabendo que ele tinha quatro meses e de nome Ariel. Seu nome foi uma homenagem ao avô paterno, um israelense. Eu não o achava nem bonito, nem feio e nem nada. Só não conseguia entender a razão pela qual ele tinha os cabelos tão espetados.

Ela estava toda confusa e via-se claramente que não tinha muita experiência com toda aquela situação. Parecia bem uma mãe de “primeira viagem”. Também mais tarde ela me disse que tinha vindo de Salvador para ganhar aquele garotinho em Santos, terra dela e dos pais. Seria mãe pela primeira vez. Preferiu passar a maior parte de sua gravidez na Baixada Santista em companhia da família, principalmente porque uma grande amiga de seus tempos de colégio era uma médica obstetra, e seria a profissional que lhe faria os procedimentos necessários no parto.

Mais tarde fiquei sabendo que ela tinha vinte e oito anos. De uma magnífica beleza, e de um olhar meigo, sereno, embora incrivelmente embriagante. Seus olhos eram meio que esverdeados à luz do sol, e às vezes, pareciam castanhos à sombra. Cabelos loiros, originais, e totalmente soltos que lhe iam quase à cintura, e um tanto encaracolados nas extremidades. Cabelos de cuidados e encantos inigualáveis. Quando dizia algo tinha sempre um breve sorriso nos lábios, e que faziam desabrochar dois furinhos em cada uma de suas faces, os quais embelezavam ainda mais aquele seu semblante angelical. Tinha estatura mediana. Ali se poderia dizer que o homem que a possuiu, e com certeza, naquela noite em que aquela criança fora concebida, poderia se gabar de ter sido o homem mais feliz do mundo. De pele dourada cuidadosamente recém-bronzeada, eu tinha até curiosidade em saber como que ela mesclava suas idas à praia, ou a piscina, e as necessidades vitais daquela criança totalmente dependente. Com aquele seu bronzeado, vestida naturalmente como estava vestida, estando onde estivesse, ela chamaria a atenção por onde passasse. Vestia jeans. Suas roupas apertadas davam uma verdadeira dimensão do contorno de seu corpo. Dizia estar dois quilos acima de seus 53 quilos originais. Para quem havia dado à luz a um filho há apenas quatro meses, poder-se-ia dizer que sua recuperação física estava sendo extremamente rápida. Acabara sua licença maternidade, e na semana seguinte ela já teria que estar de volta ao trabalho.

Eu sempre a olhava de uma forma um tanto quanto irreverente. Ela já respondia de uma maneira mais circunspecta, mais comedidamente. Discrição nunca foi o meu forte. Ocasionalmente quando eu levantava os olhos, muito das vezes nossos olhares se cruzavam naquele instante, pois desde o momento que ali me assentei, estivemos sempre observando os gestos e atitudes um do outro. Naqueles momentos em que nossos olhares se entranhavam, eu insistia em não parar de fitá-la, e era ela quem sempre desviava o olhar.

Em um dado momento ela se levantou, o que me trouxe um grande pesar, pois imaginei que ela já se encaminharia para o seu voo, e com aquele garoto e com aquelas bolsas todas foi até a uma lanchonete adquirindo uma água mineral destas em garrafinhas descartáveis. Retornou, depois de assentada, olhou para aquela garrafa e balançando negativamente a cabeça sussurrou algo fazendo uso provavelmente daqueles impropérios que estamos acostumados a proferi-los quando nos repreendemos por termos feito algo errado.

Ao ver aquela mulher em apuros e naquela situação embaraçosa, calmamente aproximei-me e disse-lhe:

- Boa tarde, será que eu poderia ajudar-lhe em alguma coisa?

Ela sorriu e respondeu-me:

- Teria como você trocar esta água mineral naquela lanchonete, pois achei que estava adquirindo uma água natural e trouxe uma com gás.

Fui até a lanchonete e troquei aquela garrafa de água. Como eu já estava com o jornal debaixo do braço e minha bolsa estava comigo, entreguei-lhe a água e sentei-me ao seu lado. Não me recordo de ter sido convidado para tal. Ela molhou uma fralda naquela água e passou no bumbum da criança, depois guardou, sem antes ter-me agradecido pela gentileza.

O avião estava demasiadamente atrasado. Ali fiquei sabendo que tínhamos o mesmo destino e esperávamos pela mesma aeronave. E eu, como algumas daquelas pessoas naquele aeroporto que estavam revoltadas, me passava como estar indignado também com toda aquela demora. Mas era mentira! Sempre tive medo de viajar de avião, por mim, se ele nunca chegasse, era o que eu mais desejaria, assim eu poderia evitar todas aquelas milhares de orações que sempre faço silenciosamente durante todo o tempo que estou em seu interior. É verdade também que quando viajo de avião, às vezes quase furo o assoalho da aeronave com a ponta dos dedos do pé que são comprimidos nas solas dos meu sapatos de tão nervoso que fico. Viajar de avião é o meu momento de maior tensão e terror.

Além do mais, porque me estressaria ali agora, se eu estava na companhia de uma mulher tão portentosa? Isto me fazia esquecer por completo o fato de eu não ter conseguido aquela vaga naquela empresa, e estar ali naquele momento esperando embarcar em um avião.

Muito solícito, passei a tarde toda fazendo favores para aquelas frágeis, dóceis e indefesas criaturas. Buscava água, comprava lanches, segurava bolsas, lavava chupetas, e até segurar o bebê para ela ir ao banheiro. Foi naquele momento que pude observar melhor aquela criança que ela achava tão linda. Ela lhe dizia coisas, e ele lá sempre vermelho e calado. Falava a maioria das vezes com ele dormindo. Trazia a criança até seu rosto e o colava ao dele, depois o voltava para sua posição original, e finalizava tudo aquilo o chamando de “fofo”. A verdade era que, se ela estava querendo agradar aquela criança em algum momento com tudo aquilo, via-se claramente que ela não estava conseguindo, pois ele não via nada, e só ficava dormindo. E dormindo o tempo todo,

Chamava-o por aquele seu nome esquisito no diminutivo, e a todo o momento dava-lhe mamadeira. Em nenhum momento deu-lhe de mamar no peito. Não parava de ficar conversando com ele. Não sei se ela entendia que aquele seu bocejar a todo o momento, seria a forma dele se comunicar.

O fato de ela ter me confiado a guarda de seu filho por algum momento para ir ao sanitário, aquela sua atitude foi considerada por mim como o divisor de águas entre nós. Ali pude perceber que ela já depositava total confiança em mim, como senti também que ela fazia de tudo para não deixar de ter-me ao seu lado, pois eu estava fazendo oficialmente a função de um marido presente.

Conversávamos, e foi quando ela me disse que tinha preferido ganhar aquele bebê em Santos, pois era o seu primeiro filho e ela temia que ele nascesse em Salvador longe de seus pais, e principalmente de sua obstetra, isso por não ter conseguido ainda um especialista de confiança na capital baiana, além de não poder contar com a regularidade de seu marido em casa mesmo a noite, por causa da rotina de seu trabalho que ela dizia conhecer muito bem, e que o fazia estendê-la, às vezes, até altas horas lá na empresa, Quinzenalmente ela recebia a visita do marido naquela cidade do litoral paulista.

Abordamos diversos assuntos. O que fazíamos em Salvador, o bairro em que morávamos, onde trabalhávamos, onde passeávamos, e sobre outras coisas a mais. Falamos sobre tudo, pois devemos ter ficado bem umas quatro horas juntos naquele saguão. Falávamos das praias de Salvador, de festas populares, de pontos turísticos, da comida baiana. Enfim, o que não nos faltavam eram assuntos.

Enfim, embarcamos. Eu com suas bolsas, e ela com aquela criança. E sabe onde fui me assentar? Ao lado dela, lógico! Jamais poderia abandoná-las a “Deus dará” dentro de um avião sozinhas. E eu continuava naquele mais fino trato. Talvez na vida daquela mulher ela nunca tenha visto um homem tão solícito como eu estava sendo. Um verdadeiro lorde. Às vezes até eu mesmo me desconhecia com toda aquela minha gentileza. Sentia-me um cavalheiro, um verdadeiro “gentleman”. Nem eu sabia que eu era dotado daquela fineza toda. E lá íamos nós. Eu, a Marcella (com dois “LL” mesmos), e o menininho mais esquisitinho, e porque não, dos cabelos mais espetados do mundo. Com certeza ele puxou totalmente o pai. Se intimidade lhe tivesse pedir-lhe-ia duas coisas: Parar de chamá-lo por aquele seu nome no diminutivo, e de insistentemente dizer-lhe que era muito lindo. Definitivamente ele não era assim tão lindo! Já seu nome eu achava feio. Muito feito. No mínimo em desuso. E o que é pior, em alguns momento ela o chamava de Arielzinho.

Já de nove horas da noite, ou um pouco mais, e já sobrevoando a capital baiana, fomos informados pelo serviço de som do avião de que o aeroporto não "tinha teto". Comunicaram-nos que iríamos para o Aeroporto de Guararapes em Recife. Foi aí que fiquei sabendo que o aeroporto de Recife se chamava Guararapes. Um belo nome, por enquanto, até um idiota não resolver mudar e colocar o nome de político nele.

Abro parágrafo para dizer também que nesse voo havia duas personalidades. O cantor e ator Almir Satter, e o também cantor e compositor Geraldo Azevedo.

Lembro-me que em nenhum momento estes dois cantores não se falaram durante o voo, pois se sentaram distantes, mas assim que desceram no Aeroporto de Guararapes, foram logo se assentando no chão do saguão próximo a uma coluna, e ficaram conversando como que já antevendo o enorme tempo que permaneceríamos por lá.

Admito que eu já estivesse cansado daquela maratona toda. Afinal de contas, eu estava por conta daquilo tudo desde as dez da manhã, e já eram quase dez horas da noite, e ainda não tínhamos chegado a Salvador, embora tenhamos até sobrevoado aquela cidade. Mas agora eu não teria que preocupar somente comigo, pois já tinha tomado para mim a responsabilidade de cuidar da Marcella e de seu filho. E o que era melhor, seu marido estava a 650 quilômetros de distância.

Convenhamos, se eu estava cansado, imagina ela que tinha cuidado daquela criança o dia todo? Passado mais ou menos uma hora após o nosso desembarque, a direção do aeroporto começou a fazer a relação das pessoas que seriam encaminhadas para os hotéis. Como as vagas eram limitadas, se faria uma relação de prioridades, e lógico, nesta relação minha amiga deveria ser a primeira.

Assim que os funcionários da companhia aérea se colocaram à disposição para relacionar e encaminhar os passageiros para os hotéis, me apresentei ao balcão e disse-lhes apontando para aquela jovem mulher que estava assentada com uma criança no colo, que ela deveria ter prioridade zero por estar em companhia de uma criança recém-nascida. O funcionário do aeroporto acatou naturalmente o meu argumento e pediu-me para que lhe apresentasse seus documentos. Apanhei sua identidade e entreguei àquele funcionário. Não sem antes, lógico, ver sua data de nascimento. Tinha vinte e oito anos. Como não poderia deixar de ser, curiosamente ela veio ao mundo num dia vinte e três de setembro, coincidentemente o primeiro dia do início da mais bela das estações no nosso hemisfério: A Primavera. Era então quatro anos mais nova que eu.

Já estava até mesmo sentindo saudades daquela mulher e daquela criança que me abandonariam dali a pouco. Já estava prevendo uma péssima noite assentada naquelas cadeiras propositadamente incômodas que existem em aeroportos. Já naqueles instantes sentia o desalento da mistura do desconforto e da perda. Da perda da Marcella.

O táxi encostou e fui colocando suas bolsas no bagageiro. Bolsa para cá, bolsa para lá, enfim tudo acabado. Pronto!

Naquela tarde sentia que tinha feito a minha boa ação. Não do dia, mas do mês, quem sabe, da minha vida toda. Ignorem o fato de eu ter achado aquela mulher encantadora, fascinante, e de uma beleza sem igual. Reconheço também que não sei se faria tudo aquilo se ela não tivesse todos aqueles atributos. Cabelos deslumbrantes e admiráveis, e a pele de uma cor dourada igual aquela, jamais eu veria em outra igual. Mas fiz-lhe todos aqueles préstimos e benevolências somente pelo fato de eu ser um homem prestativo, nobre e muito generoso. Pelo menos eu acreditava naquilo.

Assim que o taxista voltou daquela lanchonete onde foi comprar cigarro e fechou o porta malas, direcionei-me até ela que já entrara no veículo pela sua porta traseira. Assim que ela acomodou aquela criança e se posicionou, dei dois passos para trás para fechar aquela porta e despedir-me. Foi quando ela na maior espontaneidade, e eu totalmente surpreso, embora eu tenha fingido também naturalidade, ouvi dela a seguinte pergunta:

- Ué, você não vai?

Quando ela me fez aquele questionamento, e eu consegui me manter de pé, foi quando eu passei a acreditar que existe sim "uma força maior que nos guia", ou então na existência de Anjos da Guarda. Reconheço, embora tenha dito-lhe naturalmente que iria, eu não esperava nunca por aquele convite. Nunca mesmo! Iria ficar o tempo todo a assediando em aeroportos e aeronaves, mas nunca esperava que fosse convidado a acompanhá-la àquele hotel. Ela era casada. Parecia-me uma esposa fiel, e além do mais tinha a companhia de um filho recém-nascido. Voltava para o conforto de casa e para os braços do marido que estava até esperando-a no aeroporto de Salvador, antes de se saber que o voo teria que seguir para Recife.

E sem mais candongas, fomos!

E fui com ela no banco de trás, como se ali estivessem os mais felizes, marido, mulher e filho.

Chegamos ao hotel, ele se situava na Praia da Boa Viagem, praia no centro de Recife. E eu lá dentro daquele elevador me dirigindo para o décimo quarto andar daquele hotel cinco estrelas, onde iria ter toda a Recife a meus pés na companhia do “mais belo animal habitante da terra”, e ansioso por abrir a janela daquele apartamento para sentir o leve frescor do mar, e assistir o balé daquelas ondas do mar que se veria logo ali em frente. Tudo a partir do momento em que coloquei os dois pés dentro daquele táxi, e que tudo aquilo se transformara em indescritíveis expectativas.

Acessamos então ao apartamento, ela cuidadosamente colocou a criança na cama e foi em direção ao frigobar dizendo estar “morta de fome”. Todos aqueles chocolates caríssimos que ali se encontravam, uns triangulares, ela os apanhou, e depois de devorar inúmeros deles, disse que era para eu comê-los também, porque os que sobrassem, ela os levariam na hora de ir embora. Até questionei-a sobre aquele seu comportamento, pois aqueles chocolates tinham famas de serem caros, mas ela argumentou que a VARIG pagaria por aquilo tudo. Eram situações que ela sabia, que ela estava acostumada por estar sempre dentro de um hotel 5 estrelas com os custos patrocinados por alguma empresa área, e que eu não tinha conhecimento.

Sabendo que a empresa aérea responsabilizaria por tudo aquilo que se consumisse do frigobar, comecei então a ingerir aquelas bebidas que lá se encontravam. Eram daquelas garrafas pequenininhas tipo amostras. Tinham vodcas, Camparis, Martinis, whisky's, entre outras. Afinal tinha uma variedade enorme dessas bebidas lá nessas embalagens. Fui bebendo! Tinham também diversos tipos de cervejas em latas, mas porque eu iria "tomar bebida de pobre" naquela hora, pensei comigo. Uma garrafinha daquela era equivalente exatamente a uma boa dose. Bebia uma, bebia outra e mais outra. Até que ouvi dela o seguinte comentário:

- Você já foi lá ver o banheiro do apartamento?

- Não!

Via-se que eu estava agora bem mais interessado no conteúdo daquele frigobar, principalmente pelo fato de ter sabido por ela que todas aquelas bebidas estavam à minha disposição, sem eu ter que gastar um só centavo sequer com elas. Diria, foi a primeira vez que tive um patrocinador para uma noite que se prometia fazer amor por toda ela com uma jovem oceanógrafa.

Fui até o banheiro conhecê-lo. Lá ela me mostrou suas repartições, alguns detalhes de sua decoração, fez algum comentário deste ou daquele lustre, e por fim deu uma ênfase total e absoluta à existência daquela banheira de hidromassagem. Eu a olhei fixamente, vi sim algum encanto naquela peça e antes que eu fizesse algum comentário, ela já foi logo dizendo:

- Meu sonho é ter uma desta em meu banheiro. Eu e meu marido já combinamos de que no máximo no ano que vem iremos instalar uma em nossa casa. E eu que nunca tinha visto antes uma banheira de hidromassagem, pensei comigo.

Vou confessar uma coisa. Achava estranha aquela mulher citar seu marido naquele momento, posto que ela se encontrava dentro de um quarto de hotel com um homem completamente estranho. Ao ouvi-la falar de seu marido, nem comentei, preferi ficar calado, quem sabe aquele meu silêncio poderia fazê-la entender que era totalmente inconveniente e inoportuno ela referir ao seu marido naquele momento. Deixei com que ela notasse naquele meu comportamento leves traços de meus ciúmes. Fazia parte do jogo. Fazia parte daquele meu início sedutor. Meus ciúmes ali já era um ritual que valeria por mil palavras ou atitudes, como se o macho alfa já iniciasse a sua dança do acasalamento.

Ela então disse:

- Espere, vou preparar o seu banho. Vou colocar a banheira para encher.

Falou-me que, por ser aquela banheira não muito confortável para duas pessoas, ela deixaria com que eu tomasse primeiro o meu banho, depois se banharia, pois ela queria tomar um banho mais prolongado para se relaxar. Disse estar muito cansada. Tinha razão, tinha sido um dia daqueles.

Era formada em Oceonografia. Admito que eu tenha apaixonado excessivamente por sua profissão, lógico, não mais que pela profissional. Nunca tinha conversado com uma oceanógrafa antes. Na realidade eu nem sabia que se formava nessas coisas. Seu marido tinha também a mesma formação. Deveria ter sido daqueles romances que se estabeleceram na faculdade.

Enquanto ela estava lá “preparando o meu banho,” eu ficava na sala degustando aquelas bebidas e misturando-as. Apanhei umas três garrafinhas e fui até ao banheiro. Uma de cada bebida. Vodca, Martini e Campari. Isto depois de tomar aquelas quatro primeiras, que eu já nem mais me lembrava de quais bebidas foram, em uma velocidade alucinante. De tira gosto comia os amendoins que sobraram no frigobar, pois foi o que sobrou depois da investida da Marcella naquele refrigerador.

E eu continuava bebendo!

Parecia até que eu dependia daquelas bebidas todas para minha sobrevivência, como se fosse o ar que eu precisava respirar. Ou eu queria mesmo era aproveitar o fato de ter alguém pagando para mim toda aquela conta?

A banheira já estava quase transbordando e assim me despi, mesmo com ela lá em frente ao espelho do banheiro se penteando, e comecei a deliciar-me com tudo aquilo. Conversamos sobre diversos assuntos sem interesse naquele momento. Ela falava algo informal, eu lhe respondia também informalmente. Lá estava eu usufruindo daquele hotel cinco estrelas sabendo que eu não teria que pagar por nada daquilo, além do mais teria ao meu lado a mais bela e encantadora de todas as mulheres para passar toda a noite. Estava em um estado de êxtase total, alucinado. Nunca em minha vida me senti tão feliz, nunca me senti tão à vontade, mas quem estava mais à vontade ainda era ela que, por diversas vezes chegara até a banheira perto de mim, falava algo, observava, sentava em sua borda, e ficava passando a mão em sua água comigo lá dentro, como que se quisesse sentir a sua temperatura. Às vezes com aquela mesma sua mão molhada ela a levava até o alto da minha cabeça e deixava com que seus respingos molhassem ainda mais os meus cabelos. Depois repetia aquele mesmo ritual daquelas vezes com sua mão em forma de concha, e derramava aquela água em minha cabeça dando risadas, pra depois voltar pra frente do espelho, e ficar levantando para o alto e em mexa aqueles seus cabelos de anjo, que hora os prendiam, ora os soltavam, às vezes passavam neles uma escova, outras balançava sua cabeça deixando-os esvoaçarem.

Houve um momento que ela voltando do quarto me encontrou tossindo em demasia, dando-lhe a impressão que eu tinha me engasgado. Falei-lhe que eu havia escorregado pisando no sabonete que estava no fundo da banheira e que eu tinha bebido uma grande quantidade daquela água quente. Mas mantive a pose para passar-lhe a impressão de que aquilo fora um acidente, e que eu estava acostumado com todo aquele tipo de conforto, com todo aquele bem-estar, com toda aquela mordomia. Jamais poderia pagar aquele mico.

Em um dado momento ela pediu licença, saiu do banheiro, e poucos minutos depois voltou com algo em suas mãos.

Sentou-se à borda da banheira em um local ainda seco e mostrou-me o que tinha no interior de suas mãos. Era uma pequeniníssma lingerie da cor preta. Segurava-a pelas extremidades na pontinha de seus dedos mantendo-a aberta.

- Que maravilha! Disse-lhe antes de qualquer coisa que ela dissesse.

Mostrou-me e perguntou-me:

- E então, gostou?

Respondi-lhe imediatamente que sim. Ela então me disse que a adorava, que a achava sensual, e que a adquiriu para que fosse usada em uma ocasião especial com o marido, mas este não gostou, achando-a muito escandalosa, tecendo-lhe comentários vis, e dizendo-lhe que não gostaria de ver sua mulher vestida com aquela inconveniente peça.

- Que maldade! Respondi-lhe.

E ainda complementou;

- Você precisa ver o que ele fala dos meus biquínis.

Admito que eu nunca tivesse visto objeto mais "divino e maravilho", mais encantador. Nunca vi naquela época, como também até hoje. Sempre tive contato com aquele tipo de peça íntima vestida em cada uma daquelas belas mulheres de programas que eu conhecia por frequentar casas de massagem em Salvador e Belo Horizonte, mas ter visto tanta beleza e graciosidade em uma só, como tinha visto naquela pequena peça, juro, eu nunca tinha visto. Nenhuma das maravilhas do mundo poderia ser comparada àquela sublime obra prima de um tamanho tão minúsculo, e que mais linda ficaria ainda, quando cobrisse parte daquele corpo da de sua dona. Muito esplêndido. De um só deslumbramento.

Estava ciente de que seria a combinação dela e de sua usuária que me enfeitiçariam. Olhava-a, e ali enxergava a Marcella dentro “daquela pequena maravilha que o seu corpinho abrigaria”. Era uma lingerie preta cheia daquelas rendazinhas delicadas. De tão pequenininha que quando a Marcella chegou até a mim com ela em mãos, via-se que cabia inteiramente em sua mão quando fechada, como que “escondidinha”. E olha que suas mãos eram um tanto quanto pequenas e delicadas. Disse-lhe que seu marido tinha sido muito cruel e agressivo com ela, e que a peça em questão era de um deslumbramento e de encantos fascinantes. Disse-lhe também que eu seria o homem mais feliz do mundo se um dia tivesse comigo uma mulher vestida com aquela pequenina peça de roupa que me causava tamanho deslumbre. Devo ter falado outras bobagens, mas como eu já tinha bebido tanto, já não me recordo mais de outras coisas que falei.

Durante aquele banho bebi também as três garrafinhas de vodca que pra lá levei. Na realidade aquele meu tombo naquela banheira de hidromassagem não poderia ser creditado ao fato de eu ter pisado no sabonete, e sim porque quando me levantei para ir apanhar a toalha que se encontrava dependurada perto daquele box, já um tanto embriagado, escorrei caindo de costas de volta dentro daquela banheira. Aquela já era uma incontestável prova de que eu já estaria me excedendo naquelas bebidas.

Daí ela me perguntou se eu já estava finalizando, e diante daquela minha resposta positiva, ela foi se despindo ali mesmo por inteira, mas sempre cuidadosamente cobrindo-se com uma toalha, ou quase se cobrindo, já que ela lhe cobria toda a frente mantendo-a segura e apertada em seu peito pelo seu queixo. Já me levantando, ela me repassou a minha toalha. Enxuguei-me o que achava o suficiente, amarrei-a pela cintura, e direcionei para a sala com meu corpo ainda respingando, para tomar mais uma "daquelas". Pouco depois ela chegou novamente ali na sala amarrada por uma toalha que lhe cobria os seios e suas partes íntimas debaixo, e fez daqueles comentários desagradáveis de serem ouvidos quando estamos bebendo.

- Olha, não sei como você suporta beber tanto! Você está bebendo demais! Já não está na hora de parar?

Ouvi aquilo e até fiz pose de um bebedor responsável e consciente, fazendo-lhe entender que eu estava tendo total domínio daqueles meus atos e daquela situação. Tive até a cara de pau de responder-lhe da seguinte maneira.

- Meu limite de bebida é sempre aquele que se pode dizer que se bebeu socialmente.

Era aquela velha mania de bêbados logo depois de sua primeira dose se acharem filósofos. Afinal de contas, eu tinha que mostrar para ela que aquele “seu servo” era um intelectual. Tinha comigo ali que mulheres bonitas gostam de homens cultos. E disse aquilo sem lembrar se havia visto aquilo escrito ou falado em algum lugar. Já era o diacho da bebida...

Ela então apanhou duas embalagens de shampoo's em sua bolsa, observou a criança que dormia profundamente e voltou para o banheiro. Retornei para lá logo em seguida também. O que se via era que eu ficava naquele vai e vem pra lá e pra cá. Era do frigobar para o banheiro, do banheiro para o frigobar. Do frigobar para o banheiro, e por aí ia...

Ela então entrou na banheira depois de trocar sua água. Por diversas vezes fui até aquele lugar e ficamos conversando. Agora era eu que sentava na borda daquela banheira. Aquilo tudo me dava uma sensação de intimidade tão grande com ela que eu às vezes nem acreditava que tudo aquilo estava acontecendo.

Analisando tudo aquilo friamente eu me perguntava: Aquilo não era um sonho? Porque caíra do céu tudo aquilo para mim? Será que eu era merecedor de todos aqueles momentos? Que bem eu fiz para a humanidade para merecer todo aquele “monumento” como companhia naquela noite? Não haveria uma forma de parar o tempo e aqueles momentos nunca mais terem fim? Era difícil acreditar que uma mulher daquele nível de beleza e intelectualidade estivesse ali comigo entre quatro paredes, sozinha, com um acompanhante que só queria saber de dormir. E eu sabendo que a teria integralmente por toda aquela longa noite. Eu até pressupunha o caco de homem que eu seria no outro dia com aquele olho fundo por ter varado aquela noite em sexo pleno. Via tudo aquilo como inimaginável, um presente dos deuses. Esta situação me deixava demasiadamente extasiado, e não entendedor de tudo aquilo que estava acontecendo. Inclusive já tinha prometido de ir ao Senhor do Bonfim agradecer por tudo aquilo, e passar o ano todo com uma fitinha daquela amarrada em meu pulso.

Ela era bela, fascinante, além de ser casada, o que nos trazia certa tranquilidade por sermos cúmplices. Ali ninguém tinha interesse em comentar nada. Não havia espaço para nenhum tipo de maledicência. Éramos simplesmente coautores daquele súbito, ardente e proibido amor. Estávamos em um “mesmo barco”. Éramos casados e este estado nos tranquilizavam. O sigilo era uma garantia absoluta.

Como não poderia deixar de ser, fui convidado a ensaboar suas costas. Com toda a leveza do mundo atendi aquele seu pedido. Nunca tive tanta falta de pressa em minha vida. Se deixasse, eu estaria lhe ensaboando até hoje. Era um “sabonetizinho” que eu deslizava em suas costas, outras vezes em seu pescoço, nos ombros e assim as coisas iam acontecendo, embora ali, naquele momento, ela limitava as minhas ações até no máximo um pouco abaixo do pescoço. No máximo.

Ali, agora com os seus cabelos presos por ela em um nó improvisado com eles mesmos, e auxiliada por uma caneta que o atravessava de um lado ao outro, e que o prendia em seu topo, pude ver atrás de sua orelha direita uma pequenina e sensual tatuagem de uma borboletinha colorida, que seria uma daquelas duas tatuagens que ela dizia ainda no avião “ter espalhadas pelo corpo, mas que somente seu marido conseguia contemplá-las”.

Aquilo atiçou ainda mais a minha curiosidade. Onde e o que seria sua outra tatuagem? Poderia ser algo ainda mais belo? Onde estaria aquela tatuagem?

Depois daquele trabalhão todo em auxiliá-la, ela então me pediu para que eu não a olhasse naquele momento, pois iria se levantar-se e enxugar. Calmamente dirigi-me até o espelho e fiquei ali fingindo tirar algum cisco dos olhos e usando-o como um verdadeiro retrovisor "tamanho família". Depois me dirigi até a sala e fiquei na janela observando aquele “vai e vem” maravilhoso das ondas no mar. Para não perder o costume, tomei mais umas duas garrafinhas, agora de Campari.

Resolvi então sair de frente da janela, pois achava que aquele balanço das ondas estavam me deixando zonzo. Hoje assumo que em outras oportunidades em minha vida sempre contemplei aquele balé entre o mar, e suas ondas nas areias, e nunca tive nenhum tipo de aturdimento ou vertigem. Eu até morava nessa época em frente à Praia no Bairro Rio Vermelho em Salvador.

Era verão. A noite estava quente. Nisso ela chegou no quarto enrolada em uma toalha e carinhosamente deslizou as costas de seu dedo indicador levemente no rosto de seu filho acariciando-lhe. E eu lá na janela fingindo contemplar o mar novamente. Ela então beijou a criança, agora com ela naquela caminha de grossos e dobrados cobertores que ela fizera pra ele no chão ao lado da cama, e deitou-se naquela ampla cama. Deitou-se naquela posição tradicional, posição, esta que faz com que nós homens aceitemos todos e quaisquer pedidos ou imposições vindas delas.

Lá estava aquela encantadora mulher a pouquíssimos metros de mim deitada de bruços, com um lençol azul claro completamente transparente que ela ergueu o braço lateralmente e o puxou parte dele de cima da cama para cima de seu corpo, e somente vestida com aquela calcinha mais sedutora que poderia existir, e que quase não era vista de tão miúda, e que tinha a cor mais maravilhosa de todas as cores. Uma lingerie deste tamaninho. Lá estava toda aquela exuberância de bruços. A verdade era que aquela sua calcinha disputava espaço com aquela sua sensual marquinha branquinha que seu minúsculo biquíni deixara em seu corpo, e que contrastava com aquela sua cor dourada. Parecia que aquela sua calcinha e aquela sua marquinha branquinha, uma queria sobrepor a outra, como que enciumadas uma da outra daquela obra prima talhada e desenhada pelos deuses, e que sua dona ali se encontrava agora deitada de bruços, e ao meu dispor. Foi quando pude entender a razão pela qual seu marido “falava de seus biquínis”, até mesmo porque a marca deixa pelo seu uso quase deixava ficar à mostra também aquela sua outra tatuagem, agora de um “moranguinho”, que ela tinha um pouco acima de seu bumbum, curiosamente também ainda dentro daquela sua marquinha branquinha, e que o sol, quem sabe até mesmo protestasse, por nunca ter conseguido contemplá-la.

Passados alguns segundos de dissimulada apreciação do mar, caminhei a passos lentos até aquela cama, leve e educadamente deitei-me sobre seu corpo. Somente sobre seu corpo, afastando aquele fino lençol, sem em nenhum instante ter contato com a cama, como que equilibrando somente sobre seu corpo. Era um momento único: Eu, o corpo da Marcella, aquela calcinha, e nada mais no mundo nos separando. Assim que completei a ação de deitar-me sobre aquela feição de uma deusa grega, ela girou lentamente sua cabeça para o meu lado, olhou-me lateralmente de baixo para cima, piedosamente, como se já sentisse uma presa plenamente dominada, e disse-me o seguinte:

- Não foi para isso que o convidei para vir comigo!

Se alguém achar que aquelas palavras soaram como que um trovão em meus ouvidos, um raio que destrói selvas e montanhas, estará muito enganado. Foi para aquilo sim que ela me convidou! E nós estávamos ali naquele momento para aquilo mesmo! Para extravasar nossa paixão, nossa curiosidade, nossa cumplicidade, para elucidar todo aquele segredo que começara ainda naquele aeroporto em São Paulo.

Lá estava a Marcella vestida com aquela calcinha de rendas mais sensuais e delicadas tentando cobrir algo que tanto insistia em aparecer. Ela era sedutora, encantadora e grata, podemos dizer assim, pelos favores que lhe fiz durante todo aquele dia. Então era hora de eu fazer aquele “charminho”. Delicado e masculinamente “desci” de cima dela. Permaneci ao seu lado imóvel, deitado, mãos no peito, e olhando para o teto. Nisso ela virou-se para mim e disse-me, pois me lembro todos os dias rigorosamente de tudo e da forma com que ela me falou;

- Seu bobinho, eu estava brincando com você. Como que eu lhe convidaria para vir comigo se eu sabia da possibilidade de que tudo isso poderia acontecer? Essas foram as palavras ditas por ela. Não tem uma vírgula a mais nem a menos. Ela disse justamente assim, e com uma voz afável, carinhosa e apaixonada.

Aquele era um peixe, ou melhor, uma sereia que já estava plenamente dominada. Tudo seria questão de tempo para as coisas se efetivarem da forma que eu estava programando, aliás, não somente eu, nós. Já havíamos passado anteriormente por momentos de muita intimidade e excitação os quais sabíamos que o final daquilo tudo seria resumido naquilo mesmo que estava prestes a acontecer.

Então resolvi fazer mais charme, me fazer de difícil. Fingia que estava chateado, decepcionado. E quanto mais eu fingia que estava frustrado porque fui censurado, mais ela se aconchegava do meu corpo, entrelaçava suas pernas às minhas, mais me envolvia em seus braços, mais me acariciava. Às vezes repuxando meu rosto com sua mão tentando beijar a minha boca a força. Afagava meu rosto, e meus cabelos. Deitou sobre o meu peito acariciando-o. E eu lá inerte, imóvel, fingindo estar guardando uma grande mágoa por ela não ter me aceitado em um primeiro momento. Sua voz era carregada de ternura, seu carinho extasiante, seu perfume irresistível e seu corpo demasiadamente provocador. Dele já se exalava aquela suave essência da necessidade de se fazer sexo, de se fazer amor.

Sabia que, por ter aquela noite inteira pela frente, aquele tempo perdido ali eu o recuperaria quando embrenhássemos mais ainda pela madrugada, quando me deixaria ser convencido por ela a lhe perdoar. Seria só uma questão de tempo para o perdão enfim ser concedido.

E eu lá agora estático, imóvel como uma pedra tentando me passar por chateado, e cada vez mais embriagado. Cada vez mais embebedado. Quanta insistência por parte dela em me beijar, em me excitar. Excitar-me ela conseguia, beijar-me não. Eu a repelia.

Estava seguro de mim. Sabia que eu teria aquela estonteante mulher por muito tempo ali comigo e aquela falsa implicância em repeli-la estava era aumentando ainda mais a nossa excitação. Aquela seria a noite mais feliz de todas as noites da minha vida. Bebida de graça, uma deslumbrante e encantadora mulher para se amar, e por sermos cúmplices, a certeza que aquilo tudo iria dar sequência em outras oportunidades em Salvador.

Já me via como um verdadeiro zumbi no dia seguinte por ter passado aquela noite toda fazendo amor sem ter pregado os olhos um minuto sequer. Mas me revitalizaria, pois diria pra mim mesmo que todos aqueles acontecimentos da noite anterior compensaram aquele meu cansaço.

E ela me provocava com todo aquele seu carinho, com todo aquele seu perfume, com todo aquele seu cheiro de fêmea no cio, mas eu resistia. Ela se aproximava e eu tirava minha boca de sua boca. Ela me tocava e eu tirava suas mãos de mim. Sentia que os objetos que estavam em minha volta agora já mudavam de lugar. Tudo girava. Minha cabeça girava. Já não conseguia me fixar no lustre do quarto que estava dependurado logo acima de minha cabeça. Tudo girava, tudo rodava... guarda roupa, penteadeira, televisão...tudo girava em torno de mim...tudo mudava de lugar. Minha cabeça rodava... ela falava em meus ouvidos... ela sussurrava...eu a ouvia...ela suspirava...lamentava...murmurava...falava e a cada momento sua voz ia ficando mais longe...cada vez mais longe...longe...longe, menos audível...mais distante... até que em um dado momento eu já não mais a ouvia e nem mais a sentia...

Abrupto e repentinamente sentei-me naquela cama assustado, a boca seca, e o coração acelerado. Era um momento desesperador, pois tudo indicava que aquele prédio estava desmoronando. Era uma arrebentação súbita, violenta, ruidosa, e de um estrondo estarrecedor. Será que aquele prédio estava desabando, e eu preso lá em seu décimo quarto andar? Meu coração batia a mil por hora, a boca seca, e as pernas tremiam sem ouvir nenhum comando meu.

Foi quando eu ouvi chamar pelo meu nome, e aquela voz me dizer que já eram sete horas da manhã, e que nós estávamos atrasados para aquele voo das oito e meia de volta para Salvador, e que a kombi só esperava por nós dois.

- Eu dormiiiiiiiiiiii ... !!!

E dormi a noite toda. O outro dia já havia amanhecido por completo.

E naquela macabra hora estava eu sendo acordado por murros e pontapés na porta daquele quarto por um maldito funcionário daquele hotel, o que me fez pensar que havia sido deflagrada a 3ª Guerra Mundial, e que aquela edificação estava era sendo bombardeada por ogivas nucleares de mais de mil megatons.

Momento esse que me vi repentinamente assentado naquela cama um tanto que assustado, num total desespero, tremendo, e na mais aterrorizante e maligna de todas as minhas dores de cabeça. Era a mais maldita de todas as minhas ressacas. Parecia que o mundo todo havia caído sobre minha cabeça. Fui acordado por pesadas na porta daquele hotel.

Do outro lado daquela porta aquele funcionário dizia que aquela já era a terceira vez que ele batia naquela porta, e que se continuássemos não dando sinal de vida, que a polícia seria acionada para arromba-la. E justificou dizendo que daquela vez resolvera bater com mais força naquela porta, e com um pedaço de madeira, pois ele já havia estado ali outras duas vezes, e que além disso, desde às cinco e pouca da manhã que a portaria do hotel ligava para aquele quarto com o telefone chamando até cair a ligação.

Tentei balbuciar um simples “oi”, essa simples oxítona de duas letras, mas ela parecia que tinha o tamanho e a complicação daquelas palavras existentes em bulas de remédios. Não, não conseguia falar nada. Dali da cama, perguntei-lhe então que horas seriam, e ele repetiu novamente, mas agora já num tom mais irritado. Olhei para o lado e vagas lembranças vieram à minha cabeça. Vagas. Lembrei-me que não estava só.

Fiz um leve movimento e bati nas costas da Marcella. Ela balbuciou algo incompreensível, e respondi-lhe que as kombis do aeroporto já estavam ali pra nos levar de volta. Incrível o fato dela não ter acordado em meio a todo aquele bombardeio. Mas só eu e ela sabíamos o dia cansativo que ela teve anteriormente.

Ela então me respondeu enfadonhamente algo incompreensível. Não lhe disse nada. Levantei-me, vesti minha calça, camisa, calcei os sapatos, e antes mesmo de amarrá-lo, e já agora com o humor de um cão pitbull esfomeado, sacudi-lhe por umas três vezes, e perguntei-lhe se ela iria ficar em Recife. Ela então abriu os olhos e me perguntou o porquê de termos que voltar para o aeroporto ainda de madrugada. Não lhe respondi, apenas abri a janela e deixei a claridade do sol entrar.

Na saída da porta daquele hotel e indo em direção àquela kombi, e sem tempo nem mesmo de se tomar banho nem mesmo café, ela parou, já que ela seguia alguns passos na minha frente, olhou para trás me fazendo parar, e olhando fixamente em meus olhos, disse apenas:

- Mas você heim ???

E complementou:

- Se eu soubesse que teria aquele fim, nem o teria convidado pra vir comigo...

Fingi que não tinha ouvido aquilo...

Acessamos de imediato àquela kombi, e fomos os últimos a entrar naquele avião. Aquele voo estava lotado. Tivemos que assentarmos distante um do outro, razão pela qual não nos falamos dentro daquela aeronave. E minha cabeça continuava a doer alucinadamente.

Um pouco antes das dez horas, e eu ainda descendo cambaleando as escadas daquela aeronave, um tanto distante vi a Marcella com seu filho no colo, e já acompanhada pelo seu marido, felizes, caminhando pelo saguão do Aeroporto de Salvador.

Renato Sturzenecker
Enviado por Renato Sturzenecker em 09/11/2021
Reeditado em 04/06/2022
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