A pedra Zilda

Anos atrás conheci uma pedra. Seu nome era Zilda. Ela estava ao lado da minha árvore preferida no parque, onde costumava ler meus livros de auto-ajuda. Com certeza ela quase não ia por lá, porque senão a teria notado antes.

Foi difícil puxar conversa, fazer amizade, porque você sabe, pedras são desconfiadas. Mas aos poucos fui me acostumando com seu jeito quieto, sereno, pacífico.

Nos nossos encontros matutinos e quase diários, eu falava mais de mim, do que ela dela. Talvez porque não gostasse de expor sua vida privada, ou tivesse problemas demais, e tudo o que queria era esquecer os transtornos do cotidiano. Do dia-dia. Eu já não tinha esses escrúpulos. Discorria tudo o que me viesse á cabeça, muita vezes incentivado pela calma e compreensão que ela me passava.

O Interessante é que nunca discordava das minhas opiniões. Não fazia comentários irônicos ou brincadeiras sem graça com o que eu dizia. Sou propenso a falar algumas coisas sem sentido.

Desde minha infância sempre fui muito vago, e a medida com que fomos nos conhecendo, acabei me soltando mais do que deveria.

Com o tempo acabamos nutrindo uma amizade profunda e singela. Eu embalado pela sua ternura e taciturnidade, e ela por minha falta de sentido e de escrúpulos ao falar das coisas da vida.

Foi bem na época em que eu passava por alguns momentos frágeis na minha vida pessoal e sentimental. Andava desanimado profissionalmente e sem horizontes. Conhecer Zilda me animou de uma maneira incrível, e o apego a ela foi crescendo a cada encontro, a cada conversa jogada fora nas tardes de primavera.

Mas aos poucos esse apego carinhoso transformou-se em algo mais profundo. Ficava contando as horas para poder encontra-la.

Era lacerante meu pensar em Zilda. Acabei contando isso tudo a um amigo de infância, que acabou fazendo chacota. Disse que se eu não estivesse brincando, estava era ruim da cabeça.

Sim, estava louco. Mas de amores. Pouco me importava se Zilda era uma pedra. Eu a aceitava da maneira como ela era.

Ficamos assim por uns 3 meses. Ela com sua quietude. Sua languidez. E eu com meu amor platônico, incapaz de me declarar. Mas não sabia eu que tudo aquilo estava prestes a desmoronar.

Em uma tarde quente, antes que eu pudesse me aproximar do local onde me encontrava sempre com Zilda, notei que ela não estava só.

Ao seu lado uma enorme pedra escura em forma de cubo. Sua superfície polida brilhava sob o sol. Não sei o que faziam ali, mas no mesmo instante minhas vistas se turvaram e o meu primeiro impulso foi ir embora. Saí tresloucado pelo meio do bosque, sem destino. Foi uma longa tarde com minha cabeça inundada por um turbilhão de pensamentos. Quem seria aquele? Um amigo? Um parente?

No dia seguinte fui no mesmo horário e eles novamente estavam lá. Não me contentando, e ainda teimando com o que já havia visto e confirmado, insisti e voltei nos dias posteriores.

Lá estavam os dois ainda juntos. Minha ira se inflamou. Sentia meu rosto avermelhar-se e todo o sangue subir.

Ela tinha me trocado, assim como quem troca um chinelo. Eu que havia acreditado na sua mudez sincera, achando que nossos momentos eram especiais e eternos. Não me dera nem um sinal. Se tivesse pelo menos me avisado que estava cansada da minha companhia. Mas não.

O calor do ciúme me sufocava. Um nó enorme subiu-me pela garganta e tive ânsia. As veias dos meus braços encheram-se do plasma da raiva incontida. Num impulso descontrolado, voltei para casa e emprestando uma picareta do vizinho, dei por iniciado minha terrível vingança.

Novamente no parque, dei a volta para que pudesse surpreender os dois por trás. Eles estavam lá ainda, nem imaginando o que os esperava. Foi um golpe seco. Parti a pedra em forma de cubo ao meio. Zilda ficara imóvel, com sua frieza habitual. Segundos depois eu já terminava a chacina, transformando minha amada em um monte de rocha disforme.

Algumas pessoas pararam para me observar. Fiquei ali, estático por alguns instantes com a arma do crime nas mãos. Então, da mesma maneira que havia chegado, saí dali em disparada.

Era como se o mundo tivesse desabado. O céu ruíra sobre minha cabeça.

Fiquei vários dias trancado no meu quarto, desconsolado. Amargurado. Transcorreram alguns anos até que eu me recuperasse totalmente. Hoje percebo a loucura que cometi. Apaguei para sempre a imagem de Zilda da minha mente. Sua aridez e a frieza com que me tratava.

Sou um novo homem. Meses atrás encontrei minha cara metade. Parece que nos conhecemos desde a muito tempo. Ela me dá suporte e me sustenta em todas as dificuldades. Uma linda cadeira de mogno com a pele cor de mel. Sempre esteve próxima de mim, e eu não a notava,

Ela é tão silenciosa quanto Zilda, mas sem saber explicar, sinto que meu amor por Ana é muito mais consistente. Mesmo porque ela é maravilhosa.

Semana que vem vamos á praia. Ela nunca viu o mar.

FIM

Márcio José
Enviado por Márcio José em 21/11/2005
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