A festa

A porta abriu-se à bruma. Escorria pela mão outra mão cheia de carinhos fantasiosos e de bem quereres, coisa boa de contar. O tato salvaguarda. Como de fato. No ápice a hélice do olhar rodou além da conta e escapou em movimento centrífugo. Acendeu outra chavasca e percorreu sem medo o resto da imensidão, lugarejo aconchegante por requentado. A festa, por toda a saliência. Deu para ver. O narguilé descorado entre el pueblo na penumbra descrevia as aventuras de Gilgamesh. Medroso o apetite recorria às inseguranças da funilaria que nunca deixou de inspirar o segundo prato. Cigano que é cigano carrega a frigideira. Era muita gente. Lá estava um cara amarrado no rodapé como se fosse escapar deste mundo, mas ele não tinha cara para tanto. Mas estava lá, no rodapé. Uma mina, cheia de inspiração aspiração aspirina com certeza, retorcia o pescoço como se estivesse esperando o sol, coisa de quem gosta de se queimar. Bel Ami, o queridinho das gurias, estava todo empolado sobre a cômoda, com seu rabisco aceso. Coisa de quem não tem onde meter o anfitrião, mas mete. Tinha tanta gente. Não lembro todos. Rúbia, terrível, atirou-se do mezanino sobre a anêmona azul, uma proeza, depois de infinitos cinco minutos todos ainda lembravam. A memória é o nosso labirinto. Não dá para contar tudo. Mas quando o Luizinho resolveu arriscar um trompete, no meio da sala, nem a Laís, que fora sempre uma lástima, suportou, agarrou e mostrou como se fazia. Uma mulher de atitude, disseram. Como a gente da velha estirpe resolvia as coisas, Dorotéo, magnânimo e superficial, recolhido no lavabo cheio de linhas descoloridas. O negócio garantia sua crença. Um literato entrelinhas. Ainda atrás de sua obra prima. Nenhuma descrição crava, nem vale, naquele vale infindo. Corcel fugindo seguro vencido amigo esquecido ou era amigo vencido seguro esquecido corcel fundido. Despida deprimida delícia a moça sobre o divã vertia volúpia quase exangue a exigir atenção. Quanta gente. E outros ainda. A noite passou como demorava sempre a encher e esvaziar a encher e esvaziar. Eu não. Seguia sob a bruma. No disfarce das sombras. Estar sem estar, e como era bom. Depois reencontrei Alice. Alice sabia o que fazer, tecia, torcia, tremia, teimava. Fazia. Nunca perguntava onde ia dar. Nem titubeava nas encruzilhadas. Alice beijo-ardente e resquícios de esquecimento, como tudo. Maravilhosa. Um alento para levar a gente para casa, enlaçar o braço, segurar na cintura, olhar no olho, massa. Naquela madrugada, quando o galo repetia sua lamúria pela enésima vez, nela que eu tropeçava. Corriam dados, os dedos.