O Segredo de Virgínia

Virgínia se casou aos dezesseis anos com um homem vinte anos mais velho.

Seu pai, viciado em jogos, perdeu uma grande quantia em uma mesa de pôquer. Sem ter como pagar e ameaçado, sem nenhum escrúpulo, deu ao credor a mão da filha em casamento.

Já na primeira noite o marido a violentou. Usou e abusou de seu corpo, da sua inocência e de sua virgindade.

Sozinha e amedrontada ela chorou. Sentiu nojo daquele homem asqueroso e ódio do pai.

Seu marido era um homem rico, poderoso e desumano.

Nunca a respeitou como mulher ou a tratou como esposa. Para ele, ela não passava de mais uma propriedade. Sempre abusava e a maltratava.

Ao reclamar ao pai ele respondeu que um casamento era assim mesmo.

Ela odiou o casamento por ser uma tortura.

Um tempo depois ela se viu grávida. Ele não gostou e a culpou por isso. E então pela primeira vez bateu nela. Com a surra, perdeu o bebê.

Ela estava machucada fisicamente e na alma. Mas já não reclamava com ninguém. Sabia que não iria adiantar.

A vida foi seguindo. Ela não tinha nada e não podia contar nem com os pais. Então foi suportando aquela vida.

Pela segunda vez estava grávida e ele a obrigou à violência de um aborto. E mais um aborto e mais um.

Até que seu corpo e sua alma desistiram de conceber e gerar um filho.

Ela sentia raiva do marido por ter matado seus bebês.

Os anos passavam e cada vez mais ele a violentava, a agredia física e verbalmente.

Mas ela cada vez mais se fortalecia e esperava o dia de se livrar daquele monstro.

Até que se encheu de coragem e disse a ele que queria a separação.

E ele a ameaçou:

-Você é minha propriedade. Eu lhe comprei e paguei muito mais do que você vale. Se tentar se separar de mim ou disser qualquer coisa que se passa aqui, eu lhe mato. Não brinque comigo.

-Talvez a morte seja melhor que a vida que eu levo.

-Experimente me deixar e encontrará a morte que tanto quer.

Ela continuou seu casamento. Já não chorava ou se mostrava triste com os maus tratos. Pelo contrário, se sentia mais e mais fortalecida e disposta a lutar pela sua liberdade. Cada dia pensava em um modo de se livrar daquele homem monstruoso.

O tempo ia passando lentamente e ela cada vez mais infeliz e revoltada com os maus tratos, humilhações e violência sexual que sempre sofria, mas nunca demonstrava nada a ninguém. A vida era pra ela uma tortura. No entanto todos achavam que tinha um casamento feliz.

Quase vinte anos depois ela ainda estava naquele casamento que mais parecia um cárcere com o carrasco a torturando dia após dia.

Numa noite ele chegou em casa e como sempre fazia, disse:

-Sirva meu drinque. E não demore com o jantar pois estou com fome.

Ela saiu e voltou pouco depois com a bebida dele.

Ele se sentou no sofá e começou a sorver o líquido que tanto apreciava.

Ela, de longe, observava.

De repente ele começou a sentir-se mal. Como se estivesse tendo um ataque cardíaco. Mal conseguiu chamar por ela e caiu.

Calmamente ela tirou o copo, jogou fora o que sobrou, lavou e depois pediu socorro.

O médico dele chegou. Já era tarde. Ele estava morto. Tudo levava a crer que tivera um mal súbito, um infarto. O médico, que conhecia seu histórico e seu estado de saúde, atestou a morte natural.

Ela se mostrava triste e chorosa pela morte do amado marido.

O médico a consolou e todos a ajudaram a cuidar do velório e sepultamento.

Virgínia chegou ao velório abatida, triste e chorosa como convém a uma mulher que acabou de presenciar a morte do esposo.

Ao aproximar-se do caixão, suas lágrimas rolavam e todos estavam consternados pela súbita morte e pelo sofrimento da viuva.

Bem baixinho ela conversava com o morto:

-Você está aí como castigo por todos os anos de sofrimento e maus tratos que passei, pelos meus quatro filhos que matou e por ser o monstro que sempre foi. Você nunca mereceu viver. Descanse em paz nas profundezas do inferno de onde nunca devia ter saído.

Virgínia saiu dali e foi se sentar mais distante, sempre se mostrando triste e em choque.

Ele foi enterrado e ela voltou para casa.

Abriu o melhor vinho que ele tinha e que sempre guardava para uma ocasião especial e brindou sua liberdade.

Estava alegre e não sentia culpa, remorso ou arrependimento por nada.

Finalmente, pela primeira vez na vida, sentia o gosto da liberdade, a sensação de leveza por ter ficado livre daquele carrasco pervertido.

Ela aprendeu a viver em liberdade e sentir o gosto da felicidade.

Em sociedade vivia sua vida discretamente, como convém a uma viuva recatada.

Mas em suas viagens e no aconchego de seu lar se permitia viver intensamente a liberdade que conquistou.

Gozava da vida boa que ele deixou pra ela e se sentia vingada por cada vez que foi ferida, maltratada, violentada, humilhada.

E sempre pensava que merecia cada dia, cada momento de felicidade, prazer e liberdade pois pagou por eles um preço muito alto.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 23/09/2022
Reeditado em 09/10/2022
Código do texto: T7612679
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.