PRESENTE... DE GREGO !

PRESENTE... DE GREGO !

A ruela bem modestíssima na cidadezinha bem modesta estava em festa... era aniversário da "Mimi", a "coisinha" mais fofa e paparicada da região inteira. Sua dona, "Léti", fôra na juventude mera camareira num navio de luxo, de turismo eu acho, nunca se soube ao certo e ganhara a sorte grande: conhecera lá o futuro marido, capitão do monstrengo, que andava sobre as águas por milagre, tal o peso e o descomunal tamanho do "troço".

Viajaram juntos (e se amaram) por longo tempo, até o grego se aposentar e vir casas e morar no Brasil, ele "podre de rico" -- em dracmas, que não valiam grande coisa -- e ela rica de curvas e protuberâncias que, essas sim, tinham valor. Dona "Léti" virou Senhora Arlete Valdete von Papapoulos Silva da Silva, foi morar na melhor casa de Volta Grande do Barro Vermelho e amealhou um bocado de amigas, todas interesseiras, que brasileiro adora bajular quem "está por cima".

Desde os primeiros dias no vilarejo, a agora Dama do society local resolveu demonstrar quem era: dava chás e saraus de arromba, regados à melhor comida da região e só saía a passeio pela cidade com vestidões de renda, chapéu enorme e guarda-chuva -- mesmo se não chovia -- e acompanhada do marido bigodudo e com cara de buldogue. Por vezes o digníssimo nem ía, mas a "filha única" do casal não faltava nunca.

"MYLADY von Kachaturian Papapoulos" era uma cadelinha de 2 palmos, se tanto, pelo lustroso dourado e preto, lacinho no alto da testa e "sapatinhos" de crochê, trocados diariamente. Meia cidade achava o tratamento dado a cachorrinha "Mimi" uma esquisitice -- com roupinhas diferentes para cada dia da semana -- porém era bom não contrariar a velha mais rica do lugarejo. Estavam na semana do aniversário da "coisinha", que nem "vira-lata" era pois só comia do bom e do melhor. Madame Arlete acostumara os adultos a apreciar o tal "niver", "B-day" segundo ela, já que a criançada se recusava participar daquela palhaçada, idiotice.

A madame exigia de todos que eles cumprissem o ritual de "cumprimentar" a aniversariante, balançando-lhe a patinha, ela rosnando irritada. Mas o sacrifício valia a pena, a festa era "de arromba", de encher os olhos, os quitutes mais variados servidos à vontade, prazer anual que todos aguardavam, menos as crianças. Dona "Léti", aliás, Madame Arlete resolveu inovar: guardara por meses ossos velhos da bichinha, alguns já meio marrons, outros cinza, para "dar de lembrança" da festinha para os convidados, numa jeitosa caixinha, o famoso "presente de grego", que nem grego admitiria receber... mas brasileiro adora bajular rico e, com "sorriso amarelo-bolsominion", saíam de lá com o trambolho, que jogavam fora na primeira esquina, menos o Gumercindo.

"Seu Gugu" tinha uma filha metida, que ele adorava importunar, meros 8 anos de petulância, a caçula mais arrogante e "sem papas na língua" de toda a região. A menina arregalou os olhos, um presente da Madame era algo com um bom valor, brincos, talvez pulseirinha. Abriu ávida de curiosidade a caixinha de papelão ornada de renda e cetim... mirou horrorizada o osso podre:

-- "Credo, papai, que coisa nojenta... como o senhor se atreve a me trazer uma porcaria dessas" ?!, protesta, irritada.

-- "Foi presente da Dona "Léti" pra você, queridinha... não pude recusar, seria falta de respeito" !

-- "Falta de respeito É ISSO... mamãe, o papai está ficando maluco, acho melhor botá-lo num Hospício. No ano que vem vai me trazer o cocô daquela cachorra idiota" !

"NATO" AZEVEDO (em 20/julho 2023, 6hs)