Núcleo familiar

- Eu não quero uma criança - declarou Addison solenemente.

- Sei que não quer, mas não poderia me fazer esse favor? - Indagou Jordan, quase suplicante.

- Ir com você nessa agência de adoção e dizer que somos um casal? - Questionou Addison.

- Acho que convivemos por tanto tempo, que muita gente pensa em nós como um casal - ponderou Jordan.

- Sim, passamos longos períodos juntos, temos pilhas de álbuns de fotografias para comprovar isso... mas, um casal? Nunca fomos. Acho que eventualmente, apenas gostamos da companhia um do outro, e eu ressalto o "eventualmente". No momento, estou mais para não apreciar tanto assim a sua companhia - admitiu Addison.

- Sou capaz de conviver com isso - conformou-se Jordan. - Mas então, isso só reforça o meu pedido: você me acompanha, eu adoto a criança, e depois ficamos eras geológicas sem nos vermos. Viu como é fácil?

- Por que agora essa súbita fixação com uma criança? - Addison o encarou com as mãos nos quadris. - Você nunca foi muito do tipo sentimental e sabe o tanto de trabalho que crianças dão.

Jordan hesitou antes de declarar:

- Bem... eu gostaria de ter uma família. Uma família de verdade. A coisa mais próxima disso que tive, foi você.

Os olhos de Addison se iluminaram.

- Ah, então é isso... uma família orgânica. Que cresça e incorpore novos membros. Por isso a necessidade de uma criança.

- Isso - assentiu Jordan. - A criança vai crescer, constituir família, e um dia terei netos, depois bisnetos, tataranetos... uma família.

- E então, você se livraria de mim para sempre - ponderou Addison.

- Por algumas eras geológicas, provavelmente - admitiu Jordan. - Mas você pode vir me visitar sempre que quiser... e à minha família.

- Basta que eu vá com você nesta agência e nos apresentemos como um casal?

- Precisamente - disse Jordan.

Diante do balcão da agência de adoção, aguardaram enquanto uma agente analisava a documentação que haviam levado para comprovar o tempo de convivência conjunta.

- Certamente, vocês têm muito mais tempo de vida em comum do que a grande maioria dos casais que vêm aqui - declarou a mulher. - Mas também notei que passam longos períodos separados. Por quê?

- Nós enjoamos da cara um do outro - disse Jordan. - Mas depois, sentimos saudades e voltamos a viver juntos.

- E em que parte do ciclo estão agora? - Inquiriu a agente com ar perscrutador.

- Na parte de constituição da família - respondeu Addison. - A nossa família.

- Então, é uma iniciativa conjunta? - Insistiu a agente.

- Creio que descobrimos o que pode nos manter unidos para sempre - afirmou orgulhosamente Jordan.

- Muito inteligente da parte de vocês - assentiu a agente. E carimbou um formulário de autorização para adoção, que estendeu à Jordan.

- Geralmente não liberamos crianças para adoção por robôs, - ponderou a mulher - mas sinto que vocês realmente podem fazer um bom trabalho criando uma comunidade humana ao seu redor. Façam boas escolhas.

E no caminho para o orfanato, Addison sugeriu pela primeira vez que poderiam adotar mais de uma criança. Irmãos, talvez.

- Assim, pelo menos terão uma referência biológica de família; nós não podemos ocupar este espaço.

Dois meses depois, o casal já tinha uma dúzia de crianças aos seus cuidados. Cem anos depois, seus descendentes estavam iniciando uma colônia em outro planeta...

- [08-04-2024]